Black Keys e o luto da separação

21/05/2014

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Revista NOIZE

Por: Revista NOIZE

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21/05/2014

Há certa sincronicidade em meu mundo o Black Keys lançar agora um álbum corroído pela separação. Volto a 2010. Há quatro anos era lançado Brothers (2010), o álbum que deu o salto na carreira da hoje única banda sobrevivente do renascimento do blues rock de garagem. “Tighten Up” era a música chiclete que alçou os músicos de Ohio de concertos pequenos aos grandes estádios e headliners de festivais no mundo inteiro. “Tighten Up” era sobre o amor renascido, do encontrar a pessoa que torna possível não olhar para mais ninguém e assentar de vez na vida. A pessoa que faz qualquer comédia romântica com a Meg Ryan nos anos 90 transformar-se em documentário. Sentia-me como o Dan Auerbach naquelas músicas. Eu precisava de amor e tinha encontrado uma fonte incrível.

Como ouvi Brothers! Cada música, melodia pegajosa, letras com refrões simpáticos e chicletes, ressoavam como um RT em minha vida. Ele era perfeito. Danger Mouse era um gênio que conseguia transformar todas as palminhas e sininhos e backing vocals insossos em algo tão forte como a paixão. Essa é a verdade: Brothers era um álbum apaixonante. Curti o tiranossauro Frank no Facebook e quase comprei uma réplica do fantoche jurássico.

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Quantos momentos incríveis ouvindo esse álbum e cantando na estrada – completamente desafinado. “Everlasting Light, Next Girl”, “The Only One”, “Never Gonna Give You Up”. Todas eram perfeitas com o momento, um zeitgeist pessoal. Hoje, Black Keys consegue de novo se reverberar em mim completamente, mas como pólo invertido.

Se Brothers falava da possibilidade do amor, Turn Blue replica e aponta o dedo na cara com um alto e sonoro nananinanão. Para cada “let me be your everlasting light”, um “I will remember the times when love would really glow”. Para cada “Control / You have on my soul”, um “Let you go so you could go”. Separação dói. E muito. Tudo torna-se laço fraco e nossos nós são feitos na água. Dan Auerbach mostra saber isso com Turn Blue.

O vocalista e guitarrista tenta expurgar a dor em todas as músicas do álbum. Turn Blue é, óbvio, sobre tristeza, mas não como estamos acostumados a ouvir, com músicas paradonas que caberiam no filme Closer e depois seriam regravadas em parcerias duvidosas na MPB. Produzidos por Danger Mouse desde Attack & Release, dez músicas são características do estilo do produtor, e a beleza do álbum está em justamente escancarar a separação com esse estilo. Se você não reparar em nenhuma letra, dançaria loucamente num show ou dedicaria para a sua amada alguma delas. O coração dilacerado de Dan não condiz com a melodia da banda. Eles parecem dizer, através do instrumental, que o show deve continuar. O single “Fever” é uma prova perfeita disso.

(Uma observação pertinente: Danger Mouse tem se repetido como Robert de Niro nos últimos vinte anos de carreira cinematográfica. Do último álbum do Portugal. The Man, passando pelos trabalhos feitos com o próprio Black Keys, Norah Jones, Broken Bells e o excelente Mondo, do Electric Guest, Brian Burton pasteuriza todos os músicos como uma rede Starbucks: é gostoso, você até sente a individualidade de cada um ali com o nome no copinho, mas ainda assim é tudo muito similar).

“Turn Blue”, “Year in Review” e “Gotta Get Away” (aliás, um nome bem similar a “Never Gonna Give You Up”) também possuem a característica setentista e aglutinadora de referências da banda e do produtor. A única exceção é “Weight of Love”, justamente a música que abre o álbum e, disparada, a melhor música que o Black Keys já fez desde “Tighten Up”. (Outra observação importante sobre Danger Mouse: quando produz músicas longas, como no caso de “Weight of Love” e “Troubleman”, do Electric Guest, as músicas fogem do seu convencional e ganham vida própria. Ultimamente tem sido as melhores dos álbuns produzidos por ele.)

weight of love

Ao longo de seis minutos e cinquenta, temos uma música que demora para começar a ser cantada (são mais de dois minutos de entrada) e encerra com mais dois minutos e pouquinho de solo. É como se a música pudesse ser dividida em três partes iguais, com um começo e um final instrumental e um meio cantado, e, com isso, a banda queira dar o seu testemunho do quão doído é uma separação.

entrada weight of love

Um dedilhar da guitarra como um violão e um som atmosférico levemente fantasmagórico mostram que o ar da música está carregado de tristeza e melancolia. A entrada é lenta, um pouco cansada e abafada. É um canto que não se permite cantar. Precisa antes entender qual a tônica que será dada ao descompasso do fim do relacionamento. Só ao final a guitarra mostra querer sair, mas é logo suprimida pelos riffs que vão nortear a segunda parte. Ainda há indecisão.

segunda aprte turn blue

A voz começa e Dan Auerbach fala sobre como imaginava sua mulher diferente do que era. É a realidade lancinante que desmanchou toda a fantasia de “Tighten Up” e o cantor não soube lidar; ele é também o ninguém que não quer mais protegê-la, apenas esquecer, porém sabe a impossibilidade disso. O refrão é o momento em que toda a amargura e melancolia dele começa a ressoar.

Falar sobre o peso do amor com uma música mais lúgubre é assumir que não há apenas leveza no amar. É nadar contra a corrente do amor como uma fonte de felicidade inesgotável; sublinhar e colocar em negrito a tristeza, a doença, a pobreza dos votos matrimoniais. E, ao notar o peso do amor, a guitarra começa a se soltar um pouco mais, mas ainda contida, antes de entrar a segunda parte da letra.

Quando volta a cantar, Auerbach já está com raiva. Ele está sentido porque não admite que não tenha enxergado os contras como parte do processo amoroso. E sua inadmissão é descarregada em cima do que sua mulher falava sobre amor. Existia para ele sim amor na forma mais pura e possível, mesmo que não saiba o que seja. O vocalista não sabe o que sente e não consegue se expressar verbalmente. Talvez as letras do Black Keys nunca foram fortes justamente porque Auerbach conversa melhor através de sua guitarra.

terceira parte turn blue

A voz já não é mais necessária. Auerbach externou tudo que conseguia falando e agora sua guitarra projetará todas as dores. Ela volta longa e lenta no começo, como num eterno retorno ao fim do relacionamento, mas logo começa a chorar. Há a catarse. É claro, ali ele está revendo tudo: a primeira troca de sorrisos e olhares cúmplices, as portas batidas com rispidez, a viagem inesquecível, os xingamentos completamente ferinos que acertam em cheio os pontos mais fracos, o primeiro natal em família, as noites mal dormidas no sofá, as bebedeiras homéricas que levavam a motéis duvidosos, o choro compulsivo e sem explicação no carro, o abraço apertado do retorno de uma viagem, a soluçada ouvida no meio da noite escura, as vozinhas feitas para falarem entre si, o armário de roupas vazio, a decoração e compra de móveis da casa, as promessas de amor eterno e a dor de ouvir um “não te amo mais”. Revendo desesperada a guitarra chora. Para quebrar vidros e espantar a dor de alguma maneira.  É um solo terapêutico, quase psicanalítico. A cura pela fala. O final é um último grito de dor exasperado cheio de angústia, mas depois tudo se acalma. Volta o silêncio. Um ou outro dedilhar da guitarra, como se cansada de toda a briga, de todo o grito. Exausta, na verdade.

Dan Auerbach deu o recado que queria, agora é voltar para as batidinhas tradicionais da banda no resto do álbum e achar que tudo está bem, desde que as letras continuem eclipsadas.

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Retomando, Turn Blue é mais um ótimo álbum do Black Keys. É o famoso feijão com arroz que a banda sabe fazer tão bem. A temática diferente não afeta a pegada comercial de carro que a banda tem. Tem momentos em que você começa a sentir o som mais repetitivo, quase um sinal de que ali tem alguma coisa errada. Será que chegou o momento de nos separarmos da banda? Provavelmente não. Mas, ao mesmo tempo, fico com a dúvida se esse álbum não encerra um ciclo que começou com Brothers. Toda a guinada da banda rumo ao estrelato se deu com a força do amor projetada em Tighten Up que, agora, parece começar a se dissipar. A música mais forte do álbum é justamente aquela que foge do padrão, como foi em El Camino, com Little Black Submarines. Seria interessante a dupla repensar para o próximo álbum ser diferente do que tem sido e não cansar de vez? Sei lá, talvez. Todavia a história se repete, então é difícil julgar qualquer posicionamento quando o luto da separação ainda não foi completamente absorvido.

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21/05/2014

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