Caetano em Miami, por uma brasileira americanizada

17/09/2014

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Revista NOIZE

Por: Revista NOIZE

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17/09/2014

A diferença de reações da plateia americana e da plateia brasileira foi um dos primeiros choques culturais que vivi quando me mudei de Porto Alegre pro sul da Flórida em 2008.

Logo na minha primeira semana nos Estados Unidos, fui no show da Madonna da “Hard Candy Tour” ­­– praticamente um sonho realizado. Mas foi chocante ver a grande maioria das pessoas permanecer o show inteiro sentados, quase ignorando o fato de que a rainha do pop em plenos 50 anos cantava clássicos como “Like a Prayer” e “Material Girl”. Eu sabia que ver o mesmo show no Brasil seria uma experiência diferente, cheia de dança, pulos e gritos quase desesperados.

*

Depois de quase seis anos, de certa forma me acostumei com essa atitude blasé dos americanos em shows icônicos. E quando entrei no teatro de Miami Beach, onde Caetano Veloso iria se apresentar no último sábado, foi praticamente como se vivesse um novo choque cultural.

Logo na entrada, a brasileirada já dançava – com suas cervejas e vinhos em mãos – ao som de sambas, axé e pagodes clássicos como “Agamamou,” “Tic Tic Tac (Bate forte o tambor)” e “Deixa acontecer naturalmente.”

E bate aquela nostalgia. Por mais que eu esteja americanizada e adaptada a cultura norte-americana, não tem nada que faça com que eu me sinta mais em casa do que escutar e dançar ao som de música brasileira, preferivelmente cercada de brasileiros também.

A noite já prometia e quando o Caetano tomou o palco, não deixou a desejar.

Há milhões de fatos impressionantes sobre Caetano Veloso.

– Com 72 anos, ele canta tão bem ou talvez até melhor do que cantava com 20.

– Com 72 anos, ele atravessa o palco cantando e sambando.

– Com 72 anos, ele faz um semi-striptease abrindo os botões da camisa e levando a plateia à loucura.

Mas sem dúvida, o mais impressionante de tudo é ver um ícone de 72 anos com a cabeça tão aberta musicalmente. Caetano poderia facilmente ter parado de fazer música anos atrás. Continuar sua carreira fazendo shows para antigos fãs cantando antigos clássicos, como Roberto Carlos. Mas Caetano não tem nada de Roberto Carlos.

Seu último álbum, Abraçaço (2013), mistura elementos de rock, psicodelia, samba e baladas. As letras falam desde sexo e tristeza, bossa nova e comunismo. É tão experimental que até meu marido (peruano de carteirinha) ficou decepcionado de não escutar uma música mais “obviamente” brasileira. “Tu poderias ter me avisado que o último álbum dele era de rock”, ele me disse depois do show. “É como se eu estivesse esperando suco de laranja, mas acabasse tomando café”.

Acho que essa pode ter sido a impressão de muitos brasileiros que foram ao show pra escutar os clássicos da Tropicália e dos carnavais. Mas ainda assim a plateia cantou junto, improvisando os refrãos que provavelmente nunca tinha ouvido, como o de “A Bossa Nova é foda,” ou dançando e pulando no bis quando Caetano cantou “Tieta.”

Mas pra mim a experiência foi outra.

Eu estava quase hipnotizada por ver Caetano fazer uma performance tão ousada em outro país – aos 72 anos. Ver essa performance é uma raridade, um privilégio e também uma rápida lição de vida.

Não são só os músicos que ficam presos no seu passado cantando e regravando músicas antigas. Isso é uma tendência do ser humano, quase universal.

Cada geração que chega aos 30 reclama dos novos adolescentes que não sabem aproveitar a vida, e lembram com nostalgia do seu tempo de infância, quando tudo era melhor do que hoje. Enquanto isso, a geração dos 60 reclama de como a geração dos 30 está estragando a economia e a política do país.

Quando ficamos mais velhos, temos uma triste tendência a julgar o novo e amar o velho, que era novo na nossa “época.” Julgamos as novas gerações sem nem mesmo tirarmos um tempinho pra falar com um desses adolescentes perdidos que gostam de Miley Cyrus e Justin Bieber.

Olhamos com nostalgia para o nosso passado, lembramos das nossas experiências da adolescência como as melhores e únicas, mas nem mesmo experimentamos as novas tendências.

O resultado? Viramos uma grande população que reclama demais, não busca (nem encontra) soluções e não descobre coisas novas.

Caetano não faz nisso. E por isso se mantém relevante. E provavelmente feliz.

Ao contrário, ele constantemente cria novas músicas usando diferentes elementos, e não tem medo de decepcionar um público que espera escutar seus clássicos dos anos 60 e 70.

Ele explora a guitarra, o teclado e a bateria. Continua escrevendo letras ousadas. Vai para o canto do palco e dá espaço para os jovens músicos da Banda Cê darem o seu próprio show.

Vivendo sem medo de ser feliz, Caetano faz o que quer com seus discos e no palco. E talvez por isso ele ainda consegue lotar um teatro inteiro em Miami.

Fotos: Bárbara Corbellini Duarte

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17/09/2014

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