Confira a cobertura do show-de Paul McCartney em Montevideo

23/04/2014

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Leonel Grehs

Por: Leonel Grehs

Fotos: Michela Testa

23/04/2014

Fotos: Michela Testa

Navegando pelas águas tão plácidas quanto históricas do Rio da Prata, eu saía de Buenos Aires a caminho de Montevidéu, para ver Paul McCartney. Sabia que tudo ia estar cheio, afinal, além do ex-Beatle (ainda necessita esta alcunha?) era feriado de páscoa. O barco até Colonia, o ônibus até Montevideo e todos os hotéis, hostels e pousadas da cidade. Tudo lotado. Buenas, cada um faz a sua via-crúcis, sua penitência na páscoa. Eu estava fazendo a minha.

*

Já no barco, sentia o clima de beatlemania. Alguns jovens com um violão cantavam clássicos do Beatles e do velho Macca sentados no lobby central do barco, outros desfilavam com camisas alusivas ao show e uma pequena guria, cerca de 10 anos, andava, toda pimpão, com sua mala do Yellow Submarine. Já em Montevidéu, o que mais se via pelas ruas eram carros com placas do Rio Grande do Sul. Os centros turísticos – como o Mercado Del Puerto – de Montevidéu estavam grenalizados! Parecia ser um dia de Gre-Nal em Montevidéu, e o idioma oficial era o português. As poucas pessoas com quem conversei que falavam o espanhol eram meus atuais conterrâneos bonaerenses.

O show

Na noite do show, uma fila serpenteava pelo Parque Batlle dando voltas pelas calçadas, até chegar ao Estádio Centenário. Lá dentro, as pessoas se contraiam de frio nas cadeiras das arquibancadas, envoltos em grossos casacos de lã e usando gorros e cachecóis. Mas parece que a friagem e o torpor não estavam somente presentes no clima. O público, mesmo os que estavam no campo, não eram o público usual de um concerto desta magnitude. Famílias, pessoas de idade, gente não tão ciente de todas as músicas das diversas fases da carreira de Paul McCartney se juntavam aos poucos fanáticos que chegaram aos borbotões de todos os lados da América Latina. Um show extremamente familiar.

E em família também! Paul trouxe sua esposa Nancy para acompanhá-lo na turnê Out There. Logo em uma das primeiras músicas do show, “My Valentine”, Paul disse, em seu castellano lido:

– Essa música eu escrevi para minha esposa Nancy.

E apontou para os camarotes do estádio, onde estava a Lady McCartney.

O público permaneceu imóvel nas cadeiras e sem muito agito no campo. Eu mesmo me senti deslocado, tanto quando me debulhei em lágrimas em “The Long And Winding Road” e “Here Today” quanto quando parecia que a cadeira do Centenário havia ficado pequena demais para minha empolgação em “Queenie Eye”. E parece que Paul teve a mesma sensação. Ao final de “Maybe I’m Amazed”, o velho Macca arrefeceu. Cravou um cotovelo na tampa do piano e repousou o rosto sobre a palma da mão, com cara de quem pensava “gente, esse povo não conhece minhas músicas?”. Em “Everybody Out There” chegou a pedir que o público entoasse o solo com coros, como se fosse na Argentina. Provavelmente, os argentinos que estavam nas primeiras fileiras com as bandeiras de seu país o estavam fazendo. Mas só eles.

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Foi aí que surgiu um cara! Aquele cara que agita uma multidão! Um uruguaio que gritou mais alto que todos – o que não seria nenhuma façanha àquela altura. Paul não segurou o riso. Dirigiu-se ao microfone e disse, desta vez em seu inglês britânico:

– Tem um rapaz… um rapaz que fica me gritando “One After Niiiiiiiiine”! Ninguém entende o que tu estás dizendo. Só eu. Mas a gente não toca essa. Nem vai tocar.

Algumas músicas mais tarde, Paul voltou a se referir ao homem com o casaco personalizado com estampas do Paul:

– E ele segue, “One After Niiiiiiiiiine” (risos).. não adianta, não vamos tocar!

Até que o garoto de Liverpool se rendeu. Disse:

– Onde está o cara que pedia “One After 909”? Ok.. fazer o quê? Vamos ter que tocar. Temos que fazer.

Entre gritos e aplausos, Sir Paul disse em bom castellano, pausadamente, sem ler nada:

– Es para usted!

O fã Flavio que teve seu pedido atendido

Flavio junto à manager de McCartney, Shelly

Foi a alegria da vida do uruguaio Flavio, 47 anos. Dançou e saracoteou enquanto aparecia nos telões do estádio. Depois disso, o público aqueceu com as vibrantes “Ob-La-Di, Ob-La-Da”, aplaudiu em pé o show de fogos em “Live and Let Die” e levantou seus celulares e isqueiros iluminando o histórico estádio Centenário em “Let It Be”. E foi durante esta comovente canção que outro dos muitos uruguaios personagens do show fez o seu pedido. Michael Mauer, 29 anos, que estava sentado a minha frente, usou o clima romântico e poético como cenário de fundo para pedir a mão da noiva, Luciana Buck, 30 anos. “O estádio se escureceu e as câmeras e celulares das pessoas faziam parecer um céu estrelado. Ao mesmo tempo, a lua resplandecia a nossa frente. Era a paisagem perfeita!”, disse-me Michael quando lhe perguntei o porquê da escolha dessa música.

As mãos de Michael e Luciana depois de trocarem as alianças

As mãos de Michael e Luciana depois de trocarem as alianças

Paul surpreendeu tocando “Being For The Benefit of Mr. Kite!” – música cantada por John Lennon – e tocando pela primeira vez na América do Sul músicas como “Another Day”. O ponto negativo do show ficou a cargo do som. Os graves nunca chegaram até as arquibancadas da platéia onde eu estava. Em algumas músicas não se escutavam alguns instrumentos imprescindíveis, enquanto em outras era praticamente só voz e guitarras. Corroborei a mesma opinião com quem estava em distintos pontos das arquibancadas, porém, os que estavam no gramado refutaram o comentário, dizendo que dali de baixo, no gargalo do palco, se escutava tudo perfeito.

Ao final, McCartney fez suas duas “despedidas” costumeiras para voltar com dois bis mais. Alguns desavisados – ou simplesmente cansados – deixaram o show enquanto o McCartney não estava no palco. Perderam um final com “Yesterday”, a já tradicional subida ao palco de duas fans para receber o autógrafo e beijo de Paul na própria pele e o trio de ases que fechou o concerto, “Golden Slumbers”, “Carry That Way” e “The End”. Assim, em família, com sua esposa, Paul McCartney fez um show fantástico para um público um tanto apático, que foi ao Centenário em família também.

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Seguramente, fosse nos outros lugares onde já vi o show, estariam todos em pé, chorando abraçados, cantando hinos como “Hey Jude” e “Eleanor Rigby”, nas arquibancadas e na pista do Beira-Rio, em Porto Alegre. Ou então, estariam todos pulando e se empurrando, enquanto cantam os solos de “Save Us” e “Day Tripper”, no estádio Monumental de Núñez, em Buenos Aires. Mas assim é a peculiaridade dos públicos em cada lugar do mundo.

Voltei pra casa pelo mesmo barco, cruzando o mesmo rio e pensando como o fanatismo por este Sir setentão ainda arrasta multidões e como as mesmas são diferentes em cada lado. Mas mais que nada, mais importante que tudo que podia espargir pelo urdido de pensamentos da minha cabeça, era a dúvida sobre quão inefável seria a sensação daquele cara quando Paul lhe apontou o dedo e disse:

– Es para usted!

Enfim, o Paul ainda é o maior! Gracias, Sir James Paul McCartney!

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23/04/2014

Leonel Grehs

Leonel Grehs