Thiago Pethit: marginal com orgulho

30/01/2014

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Revista NOIZE

Por: Revista NOIZE

Fotos:

30/01/2014

Fotos: Ariel Fagundes

Deve ser muito caótico ser Thiago Pethit, mas também libertador. O músico que começou no teatro se redescobre e se aperfeiçoa a cada canção. Se pensávamos que “Berlim, Texas” (2010) era bom, espere pra ouvir “Estrela Decadente” (2012), onde Pethit usa e abusa de guitarras, pianos, batidas e seus belos vocais.

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Mas não basta apenas ouvir Thiago Pethit no CD. O lugar onde suas músicas explodem e ganham vida é no palco mesmo. Porque ele é assim, teatral e imagético. O compositor estava no Meca, que rolou no sábado, dia 25 de janeiro, e fez um grande show que conquistou o público do festival. Clique aqui para ver fotos do show.

Mas antes de subir no palco do Meca, Pethit nos levou até seu camarim para conversarmos sobre padrões, estereótipos e tudo aquilo que ele foge. A entrevista completa você confere logo abaixo.

Antes de ser músico, você trabalhou com teatro. O que você trouxe do teatro para a música que te diferencia de outros artistas que não tiveram esse contato anterior com as artes cênicas?

Eu me sinto muito mais à vontade no palco do que no estúdio, por exemplo. Pode ter um milhão de pessoas, quinhentas, cinquenta… E acho que isso tem muito a ver com ter trabalhado muito tempo com o teatro. Por outro lado, aprendi muita coisa no teatro. No teatro, você estuda muitos autores e o ator, principalmente, tem que ficar muito à disposição de uma linguagem de encenação. Por exemplo: teatro expressionista tem uma linguagem específica, teatro do absurdo tem outra, teatro realista tem outra. Então eu acho que aprendi muito sobre linguagem conceitual e eu sinto uma diferença quando converso com os meus colegas, porque eu tenho uma preocupação muito 360 graus com o que está sendo contado no meu show. Não é só o show, é uma atmosfera, um ambiente, um figurino. São muitos dados pra contar uma história e acho que isso veio do teatro.

Você compõe suas músicas pensando em como elas vão funcionar no palco?

Na verdade, eu componho muito pensando em imagens, não necessariamente no show, mas de algum jeito imagens e linguagens. É engraçado, porque todas as minhas músicas tem um vídeo clipe pronto na minha cabeça, por exemplo. Infelizmente, eu não consigo fazer todos porque eu não tenho dinheiro, mas se eu tivesse… (risos) Mas eu componho pensando nessas imagens. Eu não consigo nem fazer de um jeito que não seja assim. Às vezes, alguma imagem vem na minha cabeça até antes da música. Eu tô numa fase que eu tô enlouquecendo com o Elvis no Hawaii, sabe? Eu tô pirando nisso! Toda essa linguagem desse momento do Elvis, eu não sei porquê, mas tá me batendo muito. Aí eu tenho vontade de fazer coisas que flertam com isso. Talvez eu descubra porque eu estiy pensando tanto nisso agora. O que agora na minha vida e no mundo faz eu lembrar disso? Essas coisas são tipo zeitgeist. É um espírito coletivo que entendeu alguma coisa do momento do mundo que remete aquilo. E eu penso muito nisso quando faço música. Às vezes a inspiração não vem de uma música ou de uma história em si, mas de uma coisa que eu tenho vontade de flertar e eu não, necessariamente, sei o porquê. Em algum momento eu acabo descobrindo. Essa fase do Elvis no Hawaii, por enquanto, é só uma imagem.

Como foi o período em que você compôs as músicas do “Estrela Decadente”?

O “Estrela Decadente” é um disco que eu compus quando eu tava passando por um momento difícil emocionalmente. Eu tive uma crise de estresse que virou uma depressão. Na verdade, foi bem orgânico mesmo, meu corpo tava tão cansado que deprimiu minhas células e minha serotonina desapareceu. Foi bem isso. Eu passei uns quatro meses assim. E isso de algum jeito me fez não querer ter mais uma carreira com música, pelo menos não como a que eu voltei a ter. Eu desisti da ideia de não ter. Mas eu não queria mais trabalhar como eu trabalhava antes e fazer parte de um mercado. Eu sabia que eu queria trabalhar com música, mas eu sabia que não queria fazer parte de um mercado, eu não queria ser um produto. Então, foi muito difícil pra mim, porque enquanto eu fazia as músicas eu não conseguia alinhavar uma coisa com a outra. Porque nada seria um disco, na minha cabeça, eu não faria um disco. Às vezes eu não conseguia continuar uma música, porque eu preciso que uma outra exista. É assim que eu funciono, é bem caótico (risos). E como eu não tinha ideia do que seria, eu não tinha ideia de juntar tudo isso numa coisa só, eu demorei muito pra terminar, e elas foram sendo feitas meio desleixadamente nesses quatro meses. Quando passou esse período, quando a minha serotonina voltou (risos), eu olhei pra aquilo e falei: “eu tenho um disco”. É justamente essa fase que liga todas as músicas. Da crise eu descobri que eu poderia fazer daquilo uma linguagem, o “decadente”. Eu comecei a buscar todas essas coisas e aí eu alinhavei todas as músicas pra ter uma unidade.

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“Estrela Decadente” é uma celebração do torto. Você sente desconfortável em ver as pessoas tentando ser normais e se ajustar a nossa sociedade?

A gente tá vivendo um momento no mundo em que tudo tem um padrão. E acho que mais do que nunca. O século 20 construiu uma ideia de padrão absoluto de beleza, do que é ser bem-sucedido. Eu acho que talvez no século 21 essa história passe a ser um pouco diferente. Eu vejo isso pensando um pouco nessa coisa do mercado de música. Até o fim do século 20, ou você era indie ou você era mainstream. Isso era um padrão muito claro. Não existia meio termo, não existia ser indie e tocar pra muita gente. Ou você era mainstream ou você não participava de festival.

Isso é uma coisa que começou a mudar. Eu me sinto representado pela nova geração e por esse novo contexto. Ao mesmo tempo, isso é muito novidade, eu acho. Sei lá, todas as minhas experiências parecem ser muito singulares, tudo o que eu passei parece ser muito singular. Eu me senti exatamente essa pessoa que não conseguiu se encontrar em um padrão, não conseguiu se identificar com as coisas. Eu me sinto desconfortável quando eu me cobro pra estar em um padrão. Eu não tenho empresário, eu não tenho produtor de viagem, eu faço tudo. Eu vendo show, viajo com a minha banda, eu sou a pessoa que liga pra reclamar de qualquer coisa, negocio cachê, faço tudo. Isso é muito cansativo. E aí é óbvio: chega na hora do show, eu não tenho voz, eu tô cansado, tô estressado, fiquei rouco, tô com vontade de tá no hotel e quero dormir, não quero mais fazer show… Só que eu preciso fazer o show. E eu não vou ser o melhor do mundo. Tipo, eu não vou ser o cara que canta melhor, o mais cativante, mas eu vou ser o melhor porque tá tudo errado. Se tá tudo errado, tá tudo certo, foi isso o que eu aprendi. Essa é a minha história! Se tá dando certo, se eu cheguei até aqui desse jeito, então é isso mesmo, então tá tudo bem. A Bethânia fala um negócio maravilhoso sobre desafinar. Quando as pessoas acusam ela de desafinar, ela fala assim: “mas a vida não é afinada, eu desafino como a vida”. Então é um pouco isso, assim. Eu sou desafinado como a vida. Esse disco é justamente uma celebração disso. Celebrar o fato de que tá tudo errado, porque o que tá certo não me interessa.

O clipe de “Moon” tem imagens bem ousadas pros vídeos de música que estamos acostumados a ver aqui no Brasil. Quem teve a ideia do clipe e como foi a repercussão dele?

A ideia foi minha e do diretor Heitor Dhalia. A gente já tava se paquerando pra fazer um clipe juntos fazia seis meses. Eu tinha passado um mês em Nova York e comecei a visitar uns lugares que sempre me inspiraram: visitei a Factory do Andy Warhol, fui visitar uma rua onde os modelos dos filmes dele faziam programa. Eu sou super obcecado com essa turma do Warhol. Eu lembro que no meio da viagem eu lembro que pensei: “nossa, e se eu fizesse um clipe sobre garotos de programa?” Mas aí na hora mesmo passou a vontade, porque seria algo muito ousado, eu precisaria fazer, assim, com alguém muito foda, porque é um assunto que se eu for tratar com a pessoa errada não vai ser bom. E, coincidentemente, quando eu voltei pro Brasil foi a minha primeira reunião com o Heitor sobre o clipe que ele falou: “eu pensei da gente fazer um clipe sobre garotos de programa”. Aí eu falei: “bom, bicho, é isso”.

A repercussão do clipe foi mais legal do que eu imaginei. Eu achei que fosse ter mais críticas no sentido de gente incomodada com o vídeo. Todo mundo ficou com muito tesão, isso foi uma coisa engraçada, como o vídeo pegou todo mundo: os caras porque tinha a menina gostosa pelada, os meninos porque tinha o menino gostoso pelado, as meninas tinham tesão em ver dois meninos. Eu ouvi coisas muito surpreendentes. Mas também tiveram as críticas negativas, que são as mais importantes, porque se não tem crítica negativa é porque a gente tá trabalhando em cima do que é óbvio. Não quero que seja unânime, eu acho legal que não seja unânime. Muitos gays ficaram incomodados por eu ter mostrado “mais uma vez” os gays como marginais. Eu acho muito engraçado, porque eu acho que a gente tá vivendo nessa geração do “politicamente correto” onde até os próprios gays são meio nazistas, assim. Porque, qual é o erro de ser marginalizado? A gente foi marginalizado a vida inteira. Todo artista, todo mundo que não é do padrão, que não tem uma profissão padrão, é marginalizado. Aí os gays ficam querendo ver um casal que nem no comercial de margarina. Tipo, não! Se já tá tudo errado no comercial de margarina, faz outra coisa, inventa outro jeito de ser. Que ótimo que os gays são vistos como pessoas mais sexuais do que os heterossexuais, tem coisa mais maravilhosa do que ser um ser sexual? O problema dos heterossexuais é que eles não trepam. Eles tem uma relação monogâmica e aí viram casais de 50 anos que na verdade querem trepar com outras pessoas e aí o marido vai e trepa com um travesti. É porque tá tudo errado. O padrão tá errado.

Você disse uma vez que teu coração bate fora do compasso às vezes. Em que situações isso já aconteceu?

Das mais diversas (risos). Às vezes é do nada, eu tô no trânsito, tranquilo, não tô nem estressado, aí meu coração para e fica, assim, cinco segundos ou mais sem bater e depois volta loucamente. Eu lembro quando eu ganhei um prêmio na MTV, em 2010. Eu fui receber o prêmio e falei: “muito obrigad…” [bota a mão no peito] e meu coração parou! E eu só consegui fazer assim: “wooooooow” [barulho de coração voltando loucamente a bater] e não conseguia pensar em mais nada (risos). Eu falei uns três “wow” pra tentar controlar a minha respiração e falei: “bicho, eu não vou conseguir falar. Muito obrigado!”

O que você acha que tem de parecido com a Lana Del Rey, que costumam compará-lo com ela?

(risos) As pessoas são muito loucas. Eu não sei, eu faço no meu show um cover da Lana Del Rey. Então alguém ouviu eu fazendo essa música, que é muito parecida com uma da Lana Del Rey e por isso eu faço um mashup das duas. De fato, elas são parecidas. Daí alguém falou: “ele tá imitando a Lana Del Rey! Essa música é um plágio!” E a pessoa não deve ter visto o vídeo até o fim, porque eu faço o mashup e tá lá justamente pra dizer: “sim, as músicas são, realmente, muito parecidas”. Não sei se foi por isso que começou essa história, eu nunca entendi ela direito. Não sei se é porque eu fumo muito e a Lana Del Rey tá sempre fumando (risos).

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30/01/2014

Revista NOIZE

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