Encontro de sons pela noite de SP

30/06/2014

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Revista NOIZE

Por: Revista NOIZE

Fotos:

30/06/2014

Fotos: Rafael Rocha

Na semana passada, o SESC recebeu em São Paulo o encontro de dois grandes nomes da música: de um lado, Criolo, cantor que tem encantado plateias pelo Brasil inteiro com seu rap melodioso e cheio de ginga bem brasileira; do outro, Mulatu Astatke, o etíope que nos anos 70 criou e solidificou como ritmo e influência o ethio-jazz, que mistura as peculiaridades da música de seu país de origem com a linguagem do jazz.

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Os shows são uma continuação dos dois encontros que os músicos tiveram em Londres, em 2012, durante o festival Back 2 Back, e trazem uma surpresa: uma composição inédita de Criolo para uma música de Mulatu. O tema da canção não poderia ser mais atual. E se você apostou na Copa, errou. Criolo quer falar mesmo é de Recife e da resistência do #OcupeEstelita, do qual a NOIZE já falou a respeito.

Criolo fala à NOIZE:

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Os shows acontecendo aqui no Brasil são uma continuação dos shows que já rolaram em Londres, certo? O que vocês estão trazendo de diferente de lá pra cá?

Em Londres foram dois encontros. Num dos encontros, o Mulatu participou de algumas canções minhas, lá no antigo Mercado dos Peixes, e da outra vez em que fui a Londres, a gente dividia palco: primeiro teve o show dele, depois o meu. Dessa vez no Mercado dos Peixes, a gente também tocou alguns temas dele e fizemos uma composição conjunta. Agora a gente teve oportunidade de pensar um pouco melhor o que apresentar para as pessoas. A gente optou por deixar ele muito a vontade e que ele ficasse muito feliz com os temas que ele apresentasse. Inclusive tem até um tema ali no meio, mais para o fim do show, que é inédito e deve sair no próximo disco dele. Faltando um dia para a apresentação eu fiz a letra, falando sobre as coisas que estão acontecendo em Recife… Eu já tinha uma linha melódica que eu tinha escrito lá em Londres, mas ainda não contemplava muito, não tinha a ideia da letra. Até porque eu só soube que tinha que escrever pro tema dele com meia hora antes do ensaio, a pedido dele. Então…

Com esse tempo para compor a letra, de 30 minutos, os teus talentos como improvisador apareceram mais?

Eu procuro sempre ser do modo mais simples. Havia necessidade de fazer uma coisa um pouco mais elaborada, mais interessante sobre esse tema. Ao saber de algumas coisas que andam acontecendo em Recife, isso me incentivou ainda mais a compor e de uma certa forma demonstrar um carinho e solidariedade às pessoas de lá.

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A Copa está claramente eclipsando o movimento #OcupeEstelita. Será se o movimento que está acontecendo por lá vai ter força para sobrepor os jogos?

É muito difícil responder isso…. [respira] É muito difícil responder qualquer coisa sobre o nosso território. A partir do momento que você tem autoridades profundamente ligada a corporações e a gente sabe que são as corporações que mandam no mundo. Então…. [respira fundo]

Entendo teu silêncio. Esse é um movimento muito forte da arte contra a vontade de derrubar uma área histórica de Recife para revitalizar…

[interrompendo] Revitalizar já é uma palavra extremamente brutal, tem sido usada de um jeito muito brutal. É como se não tivesse vida ali, como se o morador de rua não fosse um ser vivo, como se uma criança que tá por ali cheirando cola não tivesse alma, como se a grama mesmo que machucada, a árvore mesmo que doente não tivesse vida. Re-vi-ta-li-zar…. Re-vi-ta-li-zar……. Como nós nos apossamos de uma soberba maravilhosa por desculpas mais doces, não é verdade? É meio maluco falar isso [em revitalizar]. Como se tu que por ali passou não tivesse sua história, não tivesse sua própria vida pulsante. É muito abrupto, tudo isso. A arte é ferramenta do homem, né? E sempre o querer do homem vai estar à frente, pulsante. E a gente só fica sabendo depois o que realmente queriam fazer, né? Até que pontos nós fomos manobrados… Até que ponto você manobra e até que ponto você é manobrado? Em qualquer situação que seja… Mas eu enxergo ali algo extremamente positivo.

Criolo e seu pai

Criolo e seu pai

Os teus trabalhos mais recentes tem um público jovem muito mais presente e por conta da própria história do Mulatu, as pessoas que conhecem o trabalho dele, que tem contato mais aprofundado com o que ele já fez deve ser de outra geração. Como é ter esses dois públicos se misturando nas tuas plateias?

Eu acho que é uma grande honra, né? É uma honra pra poucos. O fato deles virem aqui e terem o prazer de ver o Mulatu em ação e perceber que existem outras pessoas que gostam de música e estudaram, outros que gostam muito mas não estudaram nada… E entendem que é essa emoção que nos une [a emoção da música] e que unem as pessoas da plateia também. É uma baita experiência social, antropológica, musical, uma experiência de vida que o Mulatu está nos proporcionando. Você vê aqui um público como você descreveu, uns que estudaram música e entendem toda uma árvore genealógica de influências de Mulatu e tem o jovem que vem aqui porque escutou ele ser citado num rap e veio ver qual é a do cara. Isso é muito legal.

Claro que essa não é uma pergunta sobre futebol, mas o que tu tá achando da Copa no Brasil?

Eu adoro futebol, adoro esse esporte. E o problema não é com o esporte, né? Isso tá sendo lindo, os jogos estão sendo bons. O problema é o jeito como foi feito. E não foi legal. Não foi legal. Entendeu? Não foi nada legal. Acho que tem outros lances aí pra acontecer. Você tá falando de um evento esportivo de uma empresa privada….. E é isso aí, cara. Com tudo que isso significa.

Mulatu fala à NOIZE:

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Como é tocar no Brasil novamente?

Eu me sinto muito bem, muito vivo. É demais conseguir tocar para quem aprecia o fusion jazz. Estar aqui de volta, inclusive para tocar com Criolo, é uma experiência e tanto, tenho um profundo respeito pelo Criolo e por todo o grupo que tocou comigo em Londres, quando fizemos duas apresentações e tocamos ao vivo na rádio BBC6. Agora eu estou aqui, curtindo o clima do Brasil, e muito feliz de estar tocando novamente para a plateia cheia. Ontem o público tava esgotado, e hoje eu já soube que estamos esgotados novamente. Estou achando ótimo.

O senhor compôs uma música nova com Criolo, correto? Ela vai estar no seu próximo álbum?

Ainda é cedo para dizer, mas gostei muito do que o Criolo me explicou sobre a letra da música, que fala sobre questões sociais no Brasil. Tudo isso me interessa muitíssimo e fico feliz que minha música sirva para falar com as pessoas sobre coisas sérias. Mas, sim, nós temos planos de trabalharmos juntos no futuro e isso me interessa bastante.

E o que mantém o senhor inspirado para tocar música?

Eu sempre digo: música é minha vida. E isso não é nada mais que a verdade, já que eu toco música desde os 13 anos de idade. Eu fui criador de um estilo de jazz, há muito tempo, e fico feliz que hoje a Universidade de Berkley, umas das mais tradicionais e importantes do ensino de música no mundo, tenha incluído o estilo em sua programação de ensino. São coisas como essa que me deixam muito feliz de ainda tocar e seguir tocando.

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30/06/2014

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