PUNK + ARTE, segundo Simon Reynolds

10/09/2014

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Revista NOIZE

Por: Revista NOIZE

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10/09/2014

Os textos de Simon Reynolds podem ser lidos em publicações de prestígio como The New York Times, The Guardian, Village Voice, Artforum, The Wire e The Observer. Seus livros tratam de temas como a história do pós-punk e da cultura rave; rebelião e gênero no rock’n’roll e a retromania – o vício arquivista da cultura pop em revisitar seu próprio passado. A seguir, o jornalista e crítico musical, um dos principais do Reino Unido (e do mundo) fala de um tema específico: a relação do punk com a arte (ou antiarte) e com a versão estetizada da política (o nazismo). A breve entrevista foi realizada em abril de 2012, por e-mail, na tentativa de responder a algumas perguntas que surgiam conforme eu começava uma pesquisa sobre o punk a partir do campo das artes visuais. A estética do punk é tributária dos movimentos radicais de vanguarda da arte moderna do século XX – tais quais dadá, futurismo, surrealismo, letrismo e situacionismo. No intuito de chocar a burguesia e exterminar com o sistema das artes, aproximando a prática artística da vida cotidiana, estes movimentos adotaram ruído, colagem e provocação como estratégias criativas. Lições que foram aprendidas por punks interessados.

Simon Reynolds

Simon Reynolds

No livro de Jon Savage England’s Dreaming (1991), a cineasta Mary Harron coloca que “havia algo muito rigoroso no punk, um elemento arte, sempre”. Em sua opinião, que rigor é este a que Harron se refere? E o que poderia ser este elemento arte?

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Acho que ela está se referindo a uma política atual ou a uma teoria crítica de arte derivadas de políticas radicais ou escolas e universidades de arte. Havia idéias situacionistas no ar entre McLaren e Jamie Reid. Penso que Bernie Rhodes teve um passado político de esquerda bem pesado. Mas isto era apenas um lado do punk. Tinha um outro lado muito mais politicamente incoerente, mais a ver com a fúria da classe trabalhadora e um prazer delinquente em barulheira e violência, o que levou ao Oi!.

O rigor no punk britânico, para mim, está muito relacionado à rigidez ou fanatismo – meio que um desejo por poder e uma visão categórica e absoluta das coisas – que foi uma mudança de sensibilidade, uma reação contra a suavidade hippie, liberalismo lento e tolerância. Havia um tipo de limite não-liberal no punk e um desejo por clareza e divisão. Daí a famosa camiseta “um dia você acordará e se dará conta de em que lado da cama tem dormido”, feita por McLaren e Bernie Rhodes, que dividiu o mundo entre bom e mau. Tinha os amigos da revolução em um lado, e os contra-revolucionários (incluindo muitos ex-heróis que eram vistos como liquidados, como Bryan Ferry).

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O punk britânico parece ser esteticamente mais coerente – rigoroso – que sua pluralista versão novaiorquina. Por quê?

Acho que no início, havia meio que uma vontade de união, uma força centrípeta. Quanto mais definido for o estilo de uma subcultura ou de um movimento – em termos de roupas, cabelos, design gráfico dos discos, filipetas e pôsteres e em termos musicais também – mais ela se sobressairá contra o pano de fundo cultural. Então, no início, estavam indo em direção à união, depois, as pessoas começaram a rejeitar aquela uniformidade e partiram para trajetórias artísticas mais individualistas – que foi o que aconteceu com o pós-punk.

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Hoje podemos estabelecer uma tradição de anti-arte que vai do futurismo e do dadaísmo até o punk. Os punks originais estavam cientes disso ou é um tipo de criação crítica?

Alguns sim. Havia muitos estudantes de arte envolvidos e até pessoas que não frequentaram escolas de arte crescendo interessados em idéias, você saberia sobre dadaísmo, surrealismo e coisas do tipo. Eu certamente sabia – sabia de dadaísmo antes mesmo de saber do punk. Creio que ocorreram grandes exposições daquele tipo de arte na Grã-Bretanha no final dos anos 60 e início dos 70. O dadaísmo também era conhecido por causa de coisas como Monty Python, que foi algo tremendamente significante no Reino Unido – um tipo de Beatles da comédia. E a música dos anos 1960 em si teve um elemento dadaísta – pense em “I Am The Walrus”. Então não eram coisas particularmente obscuras e algumas das pessoas envolvidas com o punk conscientemente sabiam daquela história e como poderia relacionar-se com certos aspectos do que estavam fazendo. Os futuristas eram um pouco mais obscuros, mas, novamente, se você fosse um estudante de arte, como muitos punks eram, poderia muito bem ter sabido sobre eles.

Há um tipo de mentalidade, entre os espertos, jovens autodidatas, que amam este estridente movimento artístico e a idéia do manifesto. O dadaísmo, em particular, é uma combinação irresistível de alto intelectualismo e da ânsia adolescente por vandalismo, perversidade e travessuras. O livro Metroland (1980), de Julian Barnes, tem uns jovens garotos suburbanos crescendo no início e no meio dos anos 1960 que estão sempre tentados a épater les bourgeois – chocar a classe média. A mesma classe média em que cresceram fazendo parte.

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O artista e escritor Dan Graham diz que o punk foi “criado para parecer para a mídia liberal como (ambiguamente) fascista” com o objetivo de “deliberadamente minar as presunções liberais da sociedade”. Você concorda com a posição dele? Por que o nazismo é tão atraente ao punk?

Puramente para chocar, creio. E isso é uma expressão de traição, de aliar-se com o inimigo. Quando cresci, nos anos 1960 e 1970, filmes da II Guerra Mundial estavam constantemente na TV. A Grã-Bretanha era o herói, lutando contra os nazistas. Este tipo de filme, em preto-e-branco, a maioria originalmente feita nos anos 1950, passavam bastante na TV e penso que eles eram um tipo de consolação pela perda do Império. Ao menos houve um tempo quando nós, a brava pequena nação ilha, salvamos o mundo. Então, usar um símbolo nazista era a coisa mais ofensiva que alguém poderia fazer em termos de gesto, para a geração de seus pais, que na verdade havia vivido durante a guerra, perdido parentes em combate, tivera que esconder-se embaixo no porão da cozinha durante os bombardeios – este era o maior gesto de rebeldia, ofensa e repulsa que poderia ser feito.

Dick Hebdige argumenta que era uma falta de significado que pretendia comprometer o poder de todos os símbolos e indicadores. Mas eu não acho isso, o significado da suástica era muito fixo e deliberadamente exercido. Queria dizer que você rejeitava os sacrifícios da geração da guerra, você rejeitava o orgulho britânico em estar do lado certo da única Guerra Boa. Era traição.

Também conectou-se, creio eu, à linha não-liberal no punk, essas tendências anti-hippie, anti-amor e anti-tolerância; o interesse pelas roupas sadomasoquistas e fetichistas; um sentimento de que era hora para rigor e clareza, disciplina e união.

Punk Gear

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10/09/2014

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