Nina Antonia visitou o mundo entorpecido de Pete Doherty e conta como foi

31/07/2014

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Revista NOIZE

Por: Revista NOIZE

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31/07/2014

“Não pode ser infinito o consumo crônico, abusivo, de drogas, de crack e heroína. Clinicamente, fisicamente, eu digo. Há uma conclusão muito consistente e inevitável desse bombardeio insano dos sentidos e da alma. Chegou a hora de parar com esse hábito confuso, essa horrível aventura.(…) Talvez arranjar um outro hobby. Sexo, _____ e Rock N’ Roll. Complete a palavra que falta” , Pete Doherty.

A passagem acima é um trecho de From Albion to Shangri-La, livro que acabou de ser lançado na Inglaterra e ainda não possui uma edição brasileira. A obra reúne vários textos que Pete Doherty escreveu em seu diário pessoal de 2008 a 2013 e foi editada por uma célebre historiadora do rock, Nina Antonia. Jornalista, escritora e acima de tudo roqueira, Antonia nasceu em Liverpool em 1960, mas ficou conhecida em 1987 quando lançou Johnny Thunders… In Cold Blood, livro que conta a história do guitarrista do New York Dolls.

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Nesta entrevista exclusiva à NOIZE, Nina Antonia contou como foi trabalhar com Pete Doherty e como ela se sente documentando a vida de artistas imersos no lado mais sujo do rock. Não foi fácil dar forma de livro às anotações do frontamn do The Libertines e Babyshambles: Doherty se dedicou a uma vida de excessos marcada por períodos na cadeia, romances com modelos famosas, escândalos nos tabloides ingleses e sérios problemas com drogas pesadas.

Leia abaixo nosso papo com ela e fique ligado: amanhã publicaremos com exclusividade a entrevista que Nina fez com Doherty e que está presente em From Albion to Shangri-La:

Quando e como você começou a escrever sobre rock n’ roll?

Eu comecei colaborando com alguns artigos para um fanzine de Liverpool chamado Merseysound mas naquela época eu não tinha nenhum plano a longo prazo sobre me tornar uma escritora. Teve duas edições, uma sobre o The Cramps e outra sobre The New York Dolls. Eu acho que isso foi por volta de 1979, mas não tenho certeza, parece que foi há tanto tempo! E foi mesmo. Olhando para trás, eu comecei a trabalhar na biografia autorizada do Johnny Thunders, In Cold Blood, apenas um ou dois anos depois. De lá pra cá, eu fiquei conhecida por escrever sobre temas não convencionais no rock n’ roll.

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Johnny Thunders e Nina Antonia

Como você se sente documentando a vida de músicos tão relevantes, ainda que marginalizados?

Músicos que vão na contramão e representam os rebeldes sempre tiveram um apelo maior para mim do que os puxa-sacos do mainstream. Mas como eu não conseguia um contrato editorial para publicar o livro do Thunders, acabei indo vender ele pessoalmente. Se não fosse pelo selo do Johnny, Jungle, que acabou lançando o livro, talvez ele nunca tivesse sido editado. Ironicamente, esse livro já vem sendo reeditado há mais de 25 anos, o que é uma espécie de recorde para um livro sobre música. De uma forma ou outra, todos os projetos em que eu estive envolvida tiveram trajetórias não convencionais, mas foi a única escolha. Hoje em dia, mesmo se o editor-chefe de alguma editora gostar das suas ideias, é a equipe de vendas quem dá a última palavra sobre tudo. Só que eles são homens de negócios, não se baseiam por noções criativas.

A rebeldia com traços autodestrutivos é algo que une todos ícones que você aborda nos seus livros. O que atrai você nesse lado mais sujo e perigoso do rock n’ roll?

É uma questão interessante. Os únicos artistas que me interessam são aqueles que desafiam a sociedade e suas normas. Se você olhar pra trás e pensar em artistas marginais como Rimbaud, Baudelaire ou Van Gogh verá que todos eles sofreram muito quando estavam vivos e ainda assim suas obras hoje são devidamente reverenciadas, existe uma verdade inquestionável nelas. Eu acho que foi o Iggy Pop que disse uma vez que a sociedade demora 30 anos para aceitar os seus pioneiros. The New York Dolls são o exemplo perfeito dessa teoria. Lá no início dos anos 1970, tirando os fãs devotos e um punhado de jornalistas liberais, o grande público e a imprensa tradicional não conseguiam lidar com a sua imagem berrante, muito menos com sua música. Mas hoje o New York Dolls são aclamados, junto com MC5 e The Stooges, por terem aberto as portas para o que seria o futuro do rock n’ roll.

Você vê algum paralelo entre Thunders, dos Dolls, e Pete Doherty?

Enquanto pessoas, eles são muito diferentes e a suas músicas estão a anos-luz de distância uma da outra. Se tem algo em comum entre eles é que Peter, assim como Thunders, se recusa a ser restrito pelo establishment. Ambos tornaram-se condutos para a rebelião.

Pete Doherty em seu apartamento em Londres. Foto: Nina Antonia

Pete Doherty em seu apartamento em Londres. Foto: Nina Antonia

Como você conheceu Pete Doherty? Que relação você tem com ele hoje?

Eu conheci ele sete anos atrás através de amigos em comum. Nunca houve um plano real para eu trabalhar em um dos seus projetos, pelo menos não no início. Ele é sutil demais para falar isso diretamente, mas em todas as vezes em que nos encontramos, sempre acabamos falando de literatura então eu acho que isso foi inevitável! Eventualmente, ele me apresentou ao seu agente literário e me deu seus diários para que eu os editasse.

Achei incrível essa relação entre Doherty e Rimbaud, não sabia que ele era tão conectado com poesia clássica.

Basta você ler suas letras para ver que ele tem um pé na poesia. Antes do Libertines ele chegou a organizar uma noite de poesias em Londres. A primeira vez que eu tive um contato com Peter foi em um evento de poesia. Até o pequeno autorretrato na capa de From Albion to Shangri-la remete a uma ilustração que [Paul] Verlaine fez de Rimbaud. No selo de Grace/Wastelands (2009), o disco solo do Peter, tem uma imagem que mistura a cara de Pete com a do Rimbaud, as pistas estão por aí.

pete book

Como foi seu trabalho de transformar tantas páginas rabiscadas em um livro? Quanto tempo demorou?

Eu passei a maior parte do último verão lendo os diários e transcrevendo eles. Foi um trabalho meticuloso, mas gratificante. Apesar de que eu acho que estraguei um pouco da minha visão de tanto trabalhar de noite tentando decifrar tantas ondas de tinta.

Foi necessário censurar algo dos diários do Pete? Nomes, locais…

Tentei ser o mais sensível possível enquanto a manter a batida, o ritmo e a autenticidade das palavras de Peter. Mas não era meu papel agir como uma censora. From Albion to Shangri-La é um documento histórico de um certo período no tempo. Peter é um personagem muito mercurial e ainda que muitos livros tenham falado das suas aventuras, eu não tenho certeza se eles capturaram a sua essência como o From Albion to Shangri-La fez.

Albion, Shangri-La… Você sabe o que esses lugares míticos significam para Pete? São símbolos do seu mundo imaginário?

Todo artista de verdade cria visões interiores e From Albion To Shangri-La abre com uma pequena descrição desses locais míticos. Meu entendimento é que Albion seria uma Inglaterra pagã que existiria antes do constrangimento social, povoada por ninfas, pastores, poetas e amáveis vagabundos, onde a flauta de Pã ainda pode ser ouvida. Ironicamente, alguém comentou para mim: ‘Oh, mas tem um segundo significado para Shangri-La, é um outro nome para o festival de Glastonbury’, isso é novidade para mim! Eu prefiro pensar que esse é um destino místico ao invés de uma farra corporativa. [Na verdade, existe uma instalação dentro do festival de Glastonbury que leva esse mesmo nome].

Pete Doherty tocando em 2014

Pete Doherty tocando em 2014

Em From Albion To Shangri-La, Pete fala muito sobre as pessoas e situações que o cercam, mas apesar da sua rotina de rock star, ele diz que é um homem solitário. Você acha que esse contexto teve relação com seu abuso de drogas?

Se você é uma pessoa sensível, é comum se sentir sozinho em uma multidão. Se você é famoso e sensível, deve ser provavelmente algo mais isolador ainda. Qualquer um pode se destacar, mas sim, o uso de drogas pode levar a uma desconexão social. Mas se você está tocando para multidões de vários milhares de pessoas, tem o direito de fechar a porta e ficar na sua.

Deve ser bem difícil ter amigos de verdade nesse mundo, não?

Quantos amigos de verdade qualquer pessoa tem? Se você é alguém conhecido, é ainda mais difícil, mas há algumas pessoas boas ao redor de Peter.

Tem um momento no livro em que Pete diz: “O poder é infinito, mas você tem que saber como usá-lo”. Você acha que ele tem conseguido fazer isso?

Absolutamente. Ele é provavelmente uma das pessoas mais inteligentes que eu já encontrei. Mas o seu maior poder é o que ele usa no palco, ele é um performer e vai até o fim nisso.

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31/07/2014

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