Resenha | Salad Days – Mac DeMarco

10/04/2014

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Leonardo Baldessarelli

Por: Leonardo Baldessarelli

Fotos: Reprodução

10/04/2014

Faltavam pouco mais de duas horas para o início do show de Mac DeMarco em Porto Alegre, quando o artista e sua banda saíram pelas portas dos fundos da casa noturna para fumar. Mac já é famoso por ser (bastante) despojado e preferir a convivência com os fãs do que o isolamento. Mesmo assim, alguns admiradores não acreditavam no que viam e começavam a se aproximar lentamente. Rostos ainda se impressionavam, enquanto outros já conversavam naturalmente com Mac. Ele parecia bastante confortável, e os fãs, depois das saudações básicas, falavam sobre qualquer outra coisa que não a arte do músico. Aos 23 anos, Mac é mais novo do que vários daqueles admiradores, e, como é perceptível em sua música, gosta das mesmas coisas. Cigarros, prazer, zoeira. Retrato de uma juventude que começa a se tornar um grande nicho da cultura popular. Mas algo era perceptível no músico: ele estava sério, bem mais sério do que ele aparentava enquanto entrevistava outros artistas no Pitchfork Music Festival. Durante o show, Mac mostrou parte da sua extroversão. Se jogou na plateia e escalou a estrutura do palco para cantar o último refrão de “Still Together”, mas não tocou nenhum bis, nem engatou o famoso medley de covers que vai de Tool até Eric Clapton. Ele está diferente, e o Salad Days é a maior prova disso.

Em uma entrevista recente, o próprio Mac afirmou que seus dois primeiros trabalhos em estúdio, Rock And Roll Night Club e 2, ambos de 2012, estavam cheios de músicas que falavam sobre o “nada”, sobre temas abstratos como a beleza transcendental de um relacionamento ou do ato de fumar. O grande trunfo do músico foi unir esses temas com sonoridades que conseguissem representá-los. As guitarras lo-fi soam levemente desafinadas enquanto Mac canta melodias quase sempre doces, levando a um encontro entre soft rock setentista e o que de mais pop o Pavement já fez. Ao mesmo tempo em que o artista relembra suas composições sobre o nada, ele começa a falar sobre o Salad Days, seu novo disco de estúdio. O músico está preocupado com a negatividade das novas canções, o que pode não agradar os fãs, mas ao mesmo tempo sabe que precisa botar tudo isso para fora. Mas o que é “tudo isso”?

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Entre o lançamento de 2 e a chegada do Salad Days, Mac Demarco deixou de ser uma aposta da Captured Tracks, sua gravadora, para se tornar um dos nomes mais promissores do indie. A vida do músico mudou completamente. Há pouco mais de dois anos, ele ainda fazia bicos para sobreviver, enquanto compunha parte das canções presentes nos primeiros discos. Com os principais veículos musicais na mão e um público bem definido, Mac se viu no topo da carreira aos 22 anos. Praticamente qualquer coisa que ele fizesse seria bem aceita, o que fez o músico entrar em uma crise existencial bem comum à sua idade. O resultado disso é um disco dividido entre episódios que aconteceram na turnê de divulgação do 2 e reflexões sobre estar começando a deixar a juventude de lado ao mesmo tempo em que se torna uma grande estrela. As primeiras frases cantadas pelo artista já ditam o tom de todo o trabalho. “As I’m getting older, chip up on my shoulder. Rolling through life, to roll over and die.” Um misto de desilusão e aceitação de um destino inevitável, mas que se torna signo de felicidade ao lado das outras faixas do disco. Em “Brother”, Mac canta “So take it slowly, brother. Let it go now”. Em “Chamber of Reflection”, um encontro entre as sonoridades características do músico e o dream pop oitentista, ele canta “Understand it, when you leave here you’ll be clear among a better man”. São conselhos vindos de alguém que começou a pensar sobre o tamanho das coisas que acontecem ao seu redor, e o quão influentes são as suas atitudes.

Três canções falam sobre “Kiki”, namorada de Mac. Uma dessas faixas, “Treat Her Better”, mostra o músico chegando cada vez mais perto de estabelecer uma marca no seu estilo de compor com a guitarra. Ele segue as linhas estranhas de “Cooking Up Something Good” e “Freaking Out the Neighborhood” para criar o que provavelmente seja a sua melhor melodia instrumental até hoje. A versão de estúdio da música sofre com a sonoridade lo-fi, que coloca o volume do áudio lá embaixo, mas ao vivo “Treat Her Better” mostrou todo o seu poder. Já “Let My Baby Stay” fala sobre a situação de Kiki, que atualmente pode ser considerada uma imigrante ilegal nos Estados Unidos. A faixa segue uma linha simples de acordes, mas se destaca pela sinceridade da letra e pela melodia que Mac canta no final da música. A primeira música de Salad Days que Mac divulgou, lá em janeiro, foi “Passing Out Pieces”, e ela acaba sendo um grande resumo do disco. “What mom don’t know has taken its toll on me. It’s all I’ve seen that can’t be wiped clean. It’s hard to believe what it’s made of me.” O músico olha para o espelho e começa a ter dúvidas sobre o que vê. Quem é esse Mac DeMarco? Por que ele se tornou quem ele é? Ele acaba criando em Salad Days um exercício de aprendizado. Definindo uma sonoridade aberta para experimentações ao mesmo tempo em que estabelece seu nome como um dos grandes cantores e compositores do nosso tempo. Não há mais tempo para brincadeiras, ou, pelo menos, é preciso começar a levar as brincadeiras a sério.

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10/04/2014

Redator de social media, jornalista, músico, emo, jogador de bocha, astrólogo e benzedeiro nas horas vagas. Um colono que se encontrou na cidade grande e agora pensa que sabe escrever sobre qualquer coisa.
Leonardo Baldessarelli

Leonardo Baldessarelli