Phill Veras e o estado onírico de seu show

06/02/2015

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Revista NOIZE

Por: Revista NOIZE

Fotos: Ariane Lira

06/02/2015

Muitos lugares comuns são repetidos para tentar captar o talento que explode em cada acorde das músicas de Phill Veras. Falam sempre de sua maturidade apesar da pouca idade, do fato de ser autodidata, das letras que transbordam um universo particular e, ao mesmo tempo, forte em todos nós. Tudo que falam é verdade, mas poucas vezes ouço falar sobre como o cantor maranhaense cresce e se torna algo muito mais poderoso ao vivo. No auditório do SESC Pompéia, na última quinta-feira dia 28, foi possível sentir bem melhor toda a força levemente avassaladora de suas músicas.

Foto: Ariane Lira

Foto: Ariane Lira

O lindo auditório do SESC Pompeia já foi palco de shows memoráveis em minha vida, tanto para o bem, como para o mal. Lembro de ir a um show do Bad Plus, num festival de jazz, e praticamente ter explodido meus tímpanos – e alguns neurônios – com o baterista da banda alucinado tocando seu instrumento como se fosse o último dia de sua vida. Foi maravilhoso. Mas lembro também de ter ido num show da Soko que foi a única vez que saí de um show no meio, não aguentando tamanha fofurinha forçada misturada com chatice pura e uma aparente falta de vontade de agradar a plateia quando recusou tocar a única música que todos conheciam. Como aspectos técnicos de som não são o meu forte e pouco saberia dizer diferenças entre auditórios a não ser quando são gritantes, estava um pouco dividido em ver o show sentado, com medo de ser uma experiência como foi com Soko, mas esperançoso de ver algo similar ao Bad Plus.

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Quando a guitarra onírica de Meu Vão começou a ser tocada, a iluminação baixa, em leves tons de rosa e dourado criando um clima nostálgico, algo de um passado que não existiu de fato, mas poderia facilmente ter sido vivido, deu para entender que estava muito mais perto de Bad Plus do que de Soko. A voz de Phill Veras ao vivo é cristalina, não perde em nada para o que se ouve no estúdio. Meu Vão foi um ótimo começo para o show: ela foi responsável por ambientar as pessoas num outro estado de espírito e, ao mesmo tempo, serviu como metonímia para o próprio show: uma música que começa devagarzinho e vai crescendo em imponência e importância, ao passo que você vai se entregando e deixando a música e todo o ambiente do auditório funcionarem como encantadores.

Foto: Ariane Lira

Foto: Ariane Lira

Após a introdução metonímica, Phill Veras emendou Papo Banal, do álbum Gaveta, seguida de Falsa Canção Sã, do excelente Carpete. A seleção das músicas trazia uma característica muito interessante que desconstruía a experiência de se assistir num auditório sentado. Bom, em primeiro lugar devo falar que não sou fã de assistir shows sentados, parece que algo se perde, não sei o quê. Mas ao trazer, no início, músicas que apresentavam pequenas quebras em sua estrutura e construção, saíamos de um estado de apenas contemplação passiva do show, forçando-nos sempre a prestar atenção em todos os instrumentos, a cantar junto como um coro (ou pelo menos sussurrar), enfim, parecia um show arquitetado em perfeita sincronia com o palco oferecido. Aliás, essa sincronia era algo interessante de se notar em um auditório dividido ao meio: ao olhar para a possível plateia do outro lado e não consguir por conta da linda iluminação do ambiente, parecia que havia ali, do outro lado, um espelho nosso escuro, algo condizente com as letras melancólicas do cantor, que te fazem olhar para dentro e refletir. Em certo momento do show, após Taquicardia, todo o palco ficou escuro, tornando o auditório um grande breu, ampliando a sensação da necessidade de fazer uma autorreflexão, mas, ao mesmo tempo, trazendo certa ar feérico ao ambiente, pois era uma escuridão que acalmava, como um sono. Tudo poderia soar triste, quase de cortar os pulsos, mas não. As harmonias das músicas e a banda inteira que se destaca demais a cada música levavam embora qualquer pensamento negativo e elevavam o ambiente de novo a este estado meio de sonho.

Foto: Ariane Lira

Foto: Ariane Lira

O baterista Adilon Soares foi um monstro que me fez lembrar, em vários momentos, David King, do Bad Plus; na maneira como as baquetas batiam no chimbal, pratos e surdos, sempre trazendo uma quebra abrupta e inusitada, como se fosse um romance postergado, dando ao som vida e cores próprias. Bimbo no teclado também era responsável pela pequena aura psicodélica que se complementava com a já mencionada iluminação; na maior parte do tempo, o teclado era como uma almofada gostosa para todos os instrumentos se jogarem, mas, quando aparecia em solos ou engrandecia dentro da própria música, todas as camadas musicais de Phill Veras se desdobravam. André Araújo na guitarra e Marlon Silva no baixo completavam a banda com maestria: a sinergia entre os cinco músicos no palco é visível de uma maneira muito agradável; eles não ficam se forçando ou olhando o tempo inteiro um para o outro como se fizessem parte de uma boy band milimetricamente ensaiada. Parece mais uma jam session sem o improviso: todos ali se conhecem e sabem direitinho onde ir e o que fazer. A banda era como um dos vários casais ali na plateia, que estão naquele estado de amor que um singelo olhar serve para acalmar tudo, mas, a confiança e o amor mútuo são tantos, que ele nem precisa existir.

Foto: Ariane Lira

Foto: Ariane Lira

O show foi apenas melhorando com o tempo, ficando mais poderoso, forte, com a plateia se soltando mais e pedindo algumas músicas, com trabalhos de todos os álbuns do cantor sendo cantados, como Não te prometo nada, Cala, A Máquina e Bella. Após esta, mesmo com a banda tendo dito que era a última canção, a plateia não clamou por bis, que veio com a linda Valsa e Vapor. Nesse momento, toda a etiqueta de um auditório foi abaixo, a plateia resolveu sair das cadeiras e colar no palco, o fotógrafo da banda Peeh Augusto subiu para fazer um excelente e performático backing vocal, pessoas subiram para abraçar e tirar fotos com Phill; durante a última música deu para sentir que todo o sentimento que estava guardado sentado no auditório ebuliu e as pessoas se soltaram, dando a certeza de que um show do cantor em um ambiente intimista, mas com todos em pé, também deve ser maravilhoso.

A sensação final que fica após o show do Phill Veras é exatamente a de um belíssimo sonho que você não quer acordar, mas, ao mesmo tempo, ao estar desperto, fica muito feliz de ter passado por ele, sabendo que ele continuará ressoando em você por um tempo, ampliando a admiração pela banda a cada nova audição das músicas gravadas em estúdio, pois as reminiscências daquela quinta-feira, 28 de janeiro, no auditório do SESC Pompeia, perdurarão por um tempo ainda indefinido. Talvez até o próximo show dele.

Foto: Ariane Lira

Foto: Ariane Lira

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