Uma noite de romance com Amarante

27/11/2014

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Revista NOIZE

Por: Revista NOIZE

Fotos:

27/11/2014

Fotos: Maciel Goelzer

É possível dizer que os bons shows são aqueles em que há reciprocidade: o sentimento gerado no palco bate na plateia e com ela se enrosca, fazendo o sentimento gerado na plateia, por sua vez, retumbar no palco. Essa química, uma troca sincera de impressões e sensações, consuma o romance entre artista e público. Nesses shows, a audiência não é platônica e o encanto não é unilateral. As centenas de cabecinhas com olhares de expectativa, desejo e esperança são vistas pelo artista como um único ser, um leviatã que não é político, é de amor, e a individualidade subjetiva dos ali unidos por um interesse em comum faz com que o singular se transforme em uníssono, em coletivo. Quando um músico realmente se realiza na expressão artística e encontra empatia na plateia, a gente sai do show sorrindo sem nem precisar se perguntar se ele também sorriu.

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Ontem o show de Rodrigo Amarante no Auditório Araújo Vianna, em Porto Alegre, foi mais íntimo que intimista, mais compartilhado do que introspectivo – diferente de sua apresentação anterior na cidade e da expectativa (já antecipando uma possível frustração) de muitos dos que ouviram Cavalo (2013), um disco pessoal e que dá as mãos à melancolia. Em um palco vazio e simples, com poucos músicos, poucas luzes e poucos instrumentos, Amarante entrou sem muito alarde, chamando o pessoal para perto. Gargarejo cheio, as abundantes cadeiras disponíveis mostraram que não significam obrigatoriamente show vazio. “Vamo, queridão”, gritou um, começando o flerte, “tô esperando vocês, meu amor”, respondeu ele, no clima. Todos acomodados, Amarante marca o começo da noite com o clique de uma foto instantânea. O show tem início como tem início o disco, “Nada em Vão”. E o romance começa.

“Afeto e afã
Quando eu vejo você
Me olhando assim
Vendo em mim
O que eu vejo em ti”

A plateia é educada em seu silêncio contemplativo, mas calorosa. A cada instante sem som depois uma leva de aplausos, alguém grita uma gracinha. Amarante responde quase sempre, divertido e com a timidez bem escondida. A noite seguiu com as canções do novo disco, “Mon Nom”, “O Cometa” – um lamento triste que, ao vivo, me revelou seu lado mais brasileiramente brega, como se pudesse ser trilha de um cabaré no Norte do país. “The Ribbon” emocionou, com sua doçura fúnebre, e introduziu sua ida ao teclado.

“Tardei”, a “House of the Rising Sun” que encerra o disco, criou o clima para “Irene”, primeira a ganhar coro na plateia. Faltando as animadas “Maná” e “Hourglass”, Amarante adicionou ao momento mais lento as canções recentes que não entraram no álbum. “Diamond Eyes” foi a primeira, seguida por “Um Milhão”, linda e que me recorda a turnê dos Hermanos de 2012. Por que ela não entrou no disco? Difícil saber.

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Um dos momentos mais especiais da noite foi o cover de uma música que Rodrigo gostava desde a infância. “Depois de um tempo eu entendi uma coisa muito bonita sobre o nome dela”, contou, “’Errare Humanum Est’ é latim para ‘errar é humano’, mas não é só isso: errar, ali, não é errar do erro, é do errante. Descobrir o desconhecido é humano, ir ao outro lado é humano, sonhar, ser curioso, é humano”. A interpretação de Amarante para a canção do disco Tábua de Esmeralda foi linda, linda pelos momentos inventados, diferentes da original, linda nos momentos em que ele imitou precisamente o vocal de Jorge Ben.

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A banda de apoio de Rodrigo é toda gringa, formada pelo baixista e tecladista Todd Dahlhoff, o baterista Mathew “Cornbread” Compton e Matt Borg, responsável pela guitarra e pelos outros teclados. “Evaporar” fez a alegria dos nostálgicos de Little Joy, seguida por um sambinha carioca cheio de malemolência composto para a Orquestra Imperial, a big band mais querida do Rio de Janeiro, que tem Rodrigo entre seus gabaritados integrantes.

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Clima aquecido para as canções mais felizes do disco, o adeus rolou no clímax, depois de “Maná” e “Hourglass”, deixando o público desolado com o vazio no palco. Retornaram para o bis só ele, o violão e um dos clássicos absolutos do Los Hermanos. Não se viam bocas sem cantar, não se ouviam vozes nos momentos de “O Vento” que eram só do instrumento. Não era mais flerte nem paixonite, era namoro. Era amor verdadeiro e cantado a plenos pulmões.

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O show foi curto, mas de tão fiel ao momento do artista, fez com que o público saísse ainda mais apaixonado do que entrou. E eu, satisfeita da vida, rumei para o bar cantarolando e com um disco de vinil novo debaixo do braço.

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27/11/2014

Revista NOIZE

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