Do hardcore ao jazz: Bufo Borealis cria pontes entre fúria punk e o improviso


"Uso minhas redes sociais para convidar os fãs de Ratos, Discarga, O Inimigo, para conhecer o nosso som. Muitos dizem que começaram a curtir jazz por causa disso", diz Juninho Sangiorgio, do Ratos de Porão, sobre sua banda Bufo Borealis. Leia a entrevista.
Por:

Eduardo Ribeiro

Fotos: Divulgação

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Bufo Borealis é uma banda paulistana que transita entre o jazz, o funk experimental e a música negra de raíz, com um toque de atitude punk. Criada pelo baixista Juninho Sangiorgio (Ratos de Porão) e o baterista Rodrigo Saldanha (Amigos Invisíveis), o grupo recebeu este nome inspirado em um sapo venenoso.

Mas o Bufo não nasceu no veneno, nasceu no atrito. Tipo faísca de cabo desencapado no porão de um bar úmido. É som que brota do encontro entre a urgência barulhenta do hardcore e a liberdade quase total do jazz – ou pelo menos daquilo que sobra dele depois de uma boa dose de inconformismo. Formado por integrantes com histórico de longa jornada no underground, faz música como quem escreve um bilhete de sequestro com recortes de revistas antigas: tensa, criativa, lancinante.

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O Bufo ainda é Anderson Quevedo (sax), Paulo Kishimoto (percussão e sintetizadores), Tadeu Dias (guitarra) e Vicente Tassara (piano). Eles já tinham na bagagem Pupilas Horizontais (2020), Diptera (2022) e Natureza (2024) – cujo faixa a faixa você leu com exclusividade pela Noize. A gênese da banda foi intuitiva, quase acidental. Amizades das antigas, conversas no backstage dos ensaios e uma vontade comum de sair das obviedades dos compassos retos. A ideia era simples: e se a brutalidade do punk pudesse respirar com o improviso? Surgiu então o Bufo Borealis, batizado talvez por acidente, talvez por alucinação, mas certamente com propósito. No começo, era uma jam entre veteranos da cena pesada — e, de repente, virou banda.

Em Natureza, todos contribuíram para as composições, o que reforça a aura de sinergia. O disco contou com a participação de músicos como Nath Calan (vibrafone), Daniel Verano (trompete) e Clayton Martin (bateria). As faixas evidenciam a busca contínua pela improvisação e pela livre experimentação. Riffs de guitarra se sobrepõem a camadas de graves pontuados, sopro e percussão, criando uma musicalidade sem descanso. Em diferentes passagens, como em “Dobok”, há contrastes marcantes entre partes etéreas e pesadas, conduzidas por levadas hipnóticas de baixo e bateria.

Com Natureza, o Bufo Borealis se firma como um dos grupos mais inovadores e autênticos da cena musical paulistana recente, mantendo-se fiel à sua identidade e ao espírito de liberdade que permeia seus instrumentais. Em uma tarde ensolarada, em um café de Pinheiros, colei de bike para gravar esta conversa com o Juninho. Leia abaixo:

Como surgiu a ideia de você e o Rodrigo Sandanha voltarem a tocar juntos?


Na verdade, não foi bem um reencontro… A gente se trombava nos rolês de shows. Sabe o estúdio Rock Together? Eu ensaiava lá com as minhas bandas — O Inimigo, Ratos de Porão — e ele, com as bandas dele. Nos conhecemos ali e sempre rolava de se trombar nos “entre ensaios”. Nessa época, eu sabia que ele andava de skate, e eu também ando — enfim, curtíamos o mesmo tipo de som… Eu tocava numa banda chamada Insurgência Ópera de Protesto, e aí o baterista foi morar na Austrália. Ele falou que tinha um cara para indicar, chamado “Tuca”. E eu também falei que conhecia um cara: o “Rodrigo Tucano”. Aí ele disse: “Mano, é o mesmo cara!” [risos]. Então, chamamos o Tuco-Tucano e começamos a tocar juntos no Insurgência — ali já tivemos nossa primeira experiência musical. Era um rock meio doido, com influências de Black Sabbath, punk, um pouco de Black Flag. Tocamos por uns dois anos até ele sair da banda. Entrou outro baterista no lugar dele, e eu continuei.

Como começou o processo de gravação caseira e composição experimental?


Comprei uma plaquinha M-Audio de dois canais, baixei o Reaper no meu computador e ficava no meu estúdio tocando sozinho e gravando umas ideias. Foi quando pensei em tentar fazer um som experimental, misturado com jazz, uns retalhos. Só que percebi que era muito tosco para fazer sozinho — ainda tenho essas gravações em casa. Então pensei em montar uma banda nessa onda e, agora que eu tinha um gravador, dava para fazer umas demos. Dei um salve no Tucano, falei: “Tenho algumas pessoas em mente para chamar, mas acho que podemos primeiro nos reunir e ir tendo as ideias.” E assim rolou.

Como foi o processo de composição conceitual do disco?


Começamos a ouvir sons. As maiores influências que pegamos nessa época foram Hermeto Paschoal, Miles Davis, Airto Moreira, WAR — aquela banda dos primeiros discos com o Eric Burdon. Tinha umas pegadas de soul & funk na bateria, que fogem do jazz tradicional, tipo aquele estilo do Art Blakey, uma batida mais levada. Então pensamos em misturar bateria e baixo de funk com essa sonoridade mais jazz, que o WAR fazia. Peguei um disco deles e a gente anotava: “Música 1: começo WAR, meio ‘tal’ e fim estilo Beastie Boys na faixa ‘X’”. Foi assim que saímos dali com um álbum inteiro composto — com começo, meio e fim das músicas definidos, conceitualmente, sem tocar nada ainda.

Você já mencionou a influência do Teo Macero. Como essa referência moldou o processo de edição das faixas?


Sim, tem um produtor de jazz chamado Teo Macero, que produziu muitos discos do Miles Davis no fim dos anos 1960 e começo dos 70. Teve um disco, In a Silent Way, de 1967, acho, em que ele gravou os músicos tocando e depois disse: “Estou com várias ideias aqui, podem ir embora que eu vou trabalhar no material e chamo vocês quando terminar.” O que ele fez foi cortar as fitas e emendar os pedaços das gravações. Se você escuta o disco, é animal. Quando os caras voltaram ao estúdio, nem reconheceram as músicas. Ele pegava o começo de uma faixa, colava com o final, depois encaixava algo do meio e voltava para o início.

Como foi o processo de gravação das primeiras demos em casa?


Ele fez umas demos de celular, eu também. Fui criando umas linhas de baixo, e aí levamos para gravar, fazer uma demo no meu gravador. Colocamos um microfone no bumbo, um de over, pois a plaquinha só tinha dois canais. Demos um “Rec” e fomos registrando tudo. O Tucano gravou todas as baterias. Só que a gente não sabia o tamanho das músicas, então ele gravava dois minutos de cada batida, e eu ia salvando tudo no computador. Depois, pluguei o baixo na plaquinha, sem amplificador, porque era só uma demo simples, e fui criando linhas em cima, repetindo, cortando. Peguei esses trechos de baixo e bateria e fui montando uns Frankensteins, combinando as partes soltas.

Além do digital e do improviso, vocês misturaram outros instrumentos nesse processo?


Tenho um teclado Korg lá em casa, um piano elétrico, na real. Fiz aula de teclado, mas não sei tocar direito — é um bagulho muito difícil, eu teria que ter estudado muito mais. O que sei é onde estão as notas, montar uns acordes, umas coisas básicas, mas não sei tocar nenhuma música. Aí eu acompanhava a bateria e o baixo e começava a mandar umas teclinhas. Fui fazendo umas linhas harmônicas que achei legais. Mostrei para o Tucano, e ele curtiu demais, me incentivou, mesmo que alguém fosse tocar aquilo depois. Então a gente foi criando assim. Guitarra eu sei tocar, então gravei guitarra, teclado, baixo. E o Tucano, além da bateria, gravou algumas guitarras e uma ou duas linhas de baixo. Chegamos no nosso limite. As músicas estavam bem evoluídas, mas só nós dois tocando. E, se a proposta era fazer jazz, a gente não tinha o conhecimento e o estudo para tocar essas coisas de verdade. Foi aí que decidimos chamar quem sabia.

Daí que entraram os outros músicos no projeto?


Chamamos o Anderson Quevedo, que está com a gente até hoje, o Kishimoto, que toca percussão, piano, e também segue na banda. Eles foram gravando e a música deu um salto. O Kishi falou: “Isso que vocês estão fazendo, eu, com estudo, nunca faria. Mas tem algo interessante aí.” Tanto que, sobre o que toquei de piano, ele disse: “Você está tocando ‘errado’, não está dentro da fórmula convencional, mas está soando bonito.” Para quem estuda, é difícil sair da forma.

Essas participações especiais ajudaram a transformar a demo em álbum?


Além do Anderson e do Kishi, convidamos o Edgar Scandurra (Ira!), que gravou guitarras em duas músicas, o Roger, do Hurtmold, que tocou clarone — um instrumento clássico de orquestra —, o Rodrigo Carneiro (Mickey Junkies) e a Fernanda Lira (Nervosa, Crypta) para uma vocalização numa música com poema — a única faixa com voz. Também teve o Bruno Buarque (Criolo), que gravou percussões. Aí, o que era para ser só uma demo virou disco. Mas algumas coisas estavam bem toscas ainda, e quando fomos mixar, tivemos que retrabalhar bastante para dar uma cara mais profissional. O primeiro disco, Pupilas Horizontais, é bem doido, tem um som bizarro, por causa de todo esse processo. Sim, ele foi nossa base para construir uma história a partir dali.

O segundo álbum trouxe mudanças no processo criativo e na sonoridade?


No segundo disco, fizemos tudo também na parte criativa. Já estávamos mais ligeiros, o som está melhor gravado, mais organizado. Teve uma diferença: gravamos todas as baterias e baixos e, depois, a terceira pessoa a chegar foi o Tiago Frúgoli. Ele toca piano elétrico, tem formação de beatmaker, MC, é do rolê do hip hop, toca com o Sono, esse pessoal. É um cara mais novo, mais moderno, mas que ama Miles, essas paradas. Ele pegou os baixos e baterias e fez as camadas, como uma parada meio J Dilla, na pegada Mos Def… Então o segundo disco tem uma base Beastie Boys violenta! É baixo, bateria e piano elétrico — não solo, base mesmo. O disco inteiro tem esse espírito funk-Beastie Boys com nós três. Depois entraram o Tadeu solando, Anderson solando, Kishi na percussão, botando synth… É um disco mais rico. O Diptera ficou mais coeso em relação à bagunça do primeiro.

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Vocês abriram o processo de composição para mais integrantes neste terceiro disco, o Natureza. Como foi isso?


Dessa vez, o Tucano e eu chegamos para os caras e perguntamos se eles tinham algumas músicas guardadas. Aí o Tadeu apresentou “Urca”. O Anderson também mandou umas ideias para mim — o comecinho de “Esquina”. Já o Kishi compôs “Décimo Piso”. Acho que só não tem algo próprio do Vicente. Teve material meu e do Tuca inserido em todas as músicas, mas, dessa vez, abrimos espaço para os outros. E, mais uma vez, sem ensaio nenhum, zero. Chegamos no estúdio para gravar sem nunca ter tocado as faixas juntos. Estava tudo microfonado, tocamos uma ou duas vezes e gravamos. As ideias vinham de antes, mas a execução, mesmo, foi tudo ali, na hora.

Esse método de gravação direta no estúdio, sem ensaio, é uma escolha consciente?


Tenho uma ideia bem concreta sobre isso: quando você tem uma parte da música para improvisar, não existe melhor ou pior, vai ser sempre diferente. Então, se você toca uma vez, todo mundo ouve e curte, pronto. Pode até fazer uma segunda, se soar legal também, beleza. Mas aí já complica, começa a confundir. Por isso tocamos uma ou duas vezes, no máximo, escolhemos a melhor e apagamos a outra. Até porque a gente vai tocar essas músicas para o resto da vida e elas sempre vão soar diferente ao vivo. No disco está de um jeito, mas as execuções não precisam seguir à risca. Assiste qualquer vídeo do Herbie Hancock, do Miles ou do Airto: esses caras nunca tocam igual, mesmo com o teminha ali.

Vocês dão liberdade para a música se transformar ao vivo?


Total. Tem vez que sai mais rápida, outra mais devagar… Às vezes tocamos um som em cinco minutos, no show seguinte já vira sete e meio.

Mesmo com influências variadas, vocês mantêm uma identidade musical bem própria, né?


Tentamos sempre manter a nossa cara. Desde o começo, é o nosso jeito de tocar que une tudo. Nunca desviamos tanto ao ponto de a pessoa escutar e não reconhecer a banda. Sempre tem aquele nosso pezinho ali. Por exemplo, “Urca” tem um balanço mais ‘latin’, mas colocamos nosso jeito, não parece música cubana nem nada. Isso vale para tudo. Mesmo quando as composições vêm de outros, como já estamos tocando juntos desde 2020/21, já temos uma forma de executar.

A banda foi pensada como um projeto mais solto ou algo estruturado desde o início?


Nunca foi só um projeto, sempre pensamos como algo sério. Se todo mundo saísse fora, o Tuca e eu continuaríamos tocando. A ideia agora é manter essa formação, mas já rolou show em que um ou outro não pôde ir e tocamos mesmo assim. A base criativa deve continuar sendo nós dois. Foi assim que montamos e está funcionando. A gente toma a maioria das decisões. Isso ajuda a manter a coerência estética. Mas não somos fechados, muito pelo contrário: nesse disco novo, abrimos para todo mundo, absorvemos as composições dos outros.

No disco Natureza, tem uma faixa com estrutura mais tradicional, certo?


Sim, esse é um ponto legal. O Kishi trouxe uma música com montagem mais convencional, que a gente nunca tinha feito. Começa com um teminha, cada um faz seu solo e, no final, volta para o tema. Aquele formato clássico do jazz. A música é a “Décimo Piso”. Mas mesmo com essa estrutura, o jeito que o Tucano toca a bateria e eu toco o baixo não deixa soar como algo de fora. A pegada é nossa.

Como foi o lançamento do álbum no Sesc Vila Mariana?


Foi massa. Chamamos muita gente, o teatro ficou cheio. Eu olhava para a plateia e via uma galera zica ali, mano, foi daora demais. Tinha músicos fodas, gente do cinema… No fim, fomos trocar ideia, assinar CD, descolar umas camisetas. O Bruno Buarque — que já tocou com um monte de gente braba e gravou vários discos — elogiou o fato de a gente manter a base, sem despirocar. Ficamos três minutos numa base só, tipo banda do James Brown [risos]. A ideia não é se exibir mais que a música. É manter o mantra, o loop. Ele falou que tem músico que estuda pra caramba, mas, na hora de tocar, quer mostrar erudição. A gente não pensa assim. Eu, por exemplo, estou ali para fazer o grave e acompanhar a bateria. Só isso. Ninguém tem “o seu momento”.

Quais estilos você costuma ouvir fora da banda?


Coleciono discos. Se você for lá em casa, vou estar ouvindo death metal — Cannibal Corpse —, ao mesmo tempo que ouço Rosalia, Miles Davis, Nirvana… Para mim, quando coloco Cannibal, não é só o lance do berro: presto atenção no timbre, na bateria, nos caras tocando. Curto música, independente do estilo. A Rosalia, por exemplo, os discos dela são emocionantes. E o mesmo vale para Black Flag, Minor Threat… Sempre ouvi muito jazz e funk, mas nunca pensei que fosse conseguir tocar esse tipo de som.

Você naturalmente imprime o espírito torto do punk, como já fizeram o Fugazi e o Minutemen, no Bufo, mas sem descaracterizar o jazz. Como foi esse aprendizado com a banda?


Sim, foi um baita desafio para mim. Aprendi muito nesses anos com o Bufo, porque nunca tinha tocado com caras como o Anderson, o Kishi, o Tadeu, o Vicente… Eles estudaram muito, passaram por conservatório, universidade, aprenderam teoria. Às vezes, eles conversam entre si e eu fico boiando [risos], falando de harmonia, arranjo… Não tenho esse estudo. Então fica eu e o Tucano ali, no nosso jeitinho, meio autodidata, e eles com essa bagagem. Mas essa mistura é o que dá a cara da banda. Se você escuta uma banda de jazz atual, às vezes soa meio coxinha, sabe?

Como o Bufo se posiciona nesse cenário de gêneros cristalizados ou mal compreendidos?


O Bufo está em um caminho que, se essa galera ouvir, provavelmente não vai curtir. Ao mesmo tempo, a galera do punk que escuta a gente, às vezes, também não entende. Mesmo assim, faço questão de usar minhas redes sociais para convidar os fãs de Ratos, Discarga, O Inimigo, para conhecer o meu som por curiosidade. E, mano, você não tem noção da quantidade de mensagens que recebo de gente dizendo que começou a curtir jazz por causa disso. Aí eu indico umas coisas, tipo Sly and The Family Stone, e assim vai… Por mais que eu esteja há muitos anos na música, são pessoas jovens que ainda estão conhecendo as coisas. E eu também estou aprendendo muito — e adorando. É muito legal tocar ao vivo, compor de um jeito diferente do Ratos…

Q

uais as principais diferenças entre o processo criativo no Ratos e no Bufo?


No Ratos, a gente entra no estúdio, ensaia até o limite e, quando estamos tight nas músicas, marcamos a gravação. Chega lá, come com farinha as músicas. No Bufo, é montar as coisas e ver o que sai. Completamente diferente. É um desafio. São coisas distintas, mas o espírito de força de vontade, de querer fazer, é igual ao do punk — porque quando a gente começou a tocar guitarra, também não sabia nada.

Você costuma arquivar ideias soltas para usar mais tarde?


Quando faço algo que não sei se vai encaixar naquele momento, em vez de ficar mexendo, deixo pronto e parto para algo novo. A ideia é estar sempre criando.

Como vocês escolheram os nomes das novas faixas? Por que as referências urbanas?


A primeira música se chama “Papa Lou”, apelido do Lou Donaldson, saxofonista que morreu há pouco tempo. Fizemos o som inspirado numa música dele, e o apelido acabou virando o nome. A segunda, “Urca”, o Tadeu compôs quando ficamos hospedados numa casa na Pedra da Urca. Ele começou a sofrejar a melodia embaixo da pedra, com o bondinho passando, lá no Rio, durante uma tour. Ele gravou no celular, sofrejando a base. A terceira, “Ponkan”, tem uma pegada meio Beastie Boys no final, com batera distorcida. Eles têm uma música chamada “Suco de Tangerina”, que fizeram no Rio, tomando suco todo dia no BB Lanches. A gente brisou na “Ponkan”, que também é uma fruta cítrica. Já no “lado B”, a primeira é “Dobok”: estávamos vendo um show do Art Blakey, com legenda em húngaro, e o nome dele apareceu como “dobok”. A música tem essa pegada percussiva, com vibrafone e tal. “Décimo Piso” é do Kishimoto, composta enquanto ele estava no décimo andar de um prédio em Montevidéu. E a última, “Esquina”, foi inspirada em “On the Corner”, do Miles Davis.

Quer dizer, apelidos que viraram nome. Igual aquelas bandas que chamam as músicas de um jeito estranho antes do nome oficial…


[risos] Total. Tipo “Nova Lenta”, “Meio Metallica”, “Slayer Estranha”… No Ratos, é tudo assim…

E a cena instrumental de São Paulo? Vocês se sentem parte dela?


Ainda não muito. Somos uma banda nova. O principal evento instrumental em que tocamos foi o Instrumental Sesc Brasil, que rola há mais de 30 anos na unidade Consolação. Se procurar no canal do Sesc no YouTube, tem uma matéria com a gente, tipo um mini doc. Gravamos até na loja da editora Sobinfluência.

Como você enxerga o amadurecimento da banda com o disco Natureza?


Acho que o Natureza tem uma produção melhor, teve mais cuidado com assessoria de imprensa no lançamento no Sesc Vila Mariana, no teatrão… Isso trouxe mais visibilidade. Mas, como te falei, a gente montou a banda para fazer um som diferente e que todo mundo gosta. Não tem esse lance de ‘viver da banda’. Do jeito que está, já é incrível: a gente se encontra, dá risada, toca, faz uns shows e se diverte. Se tiver muito ou pouco show, a vibe vai ser a mesma. Cada um tem outras bandas, outros trampos, não há pretensão profissional.

Quando associam o som do Bufo a trilhas de filmes Blaxploitation ou de Hitchcock, isso te incomoda?


Acho o contrário. Quando alguém escuta e associa com algo, é sinal de que assimilou e entendeu à sua maneira. Tem gente que acha algumas partes tristes — e eu, tocando, estou felizão [risos], curtindo a base.

Qual instrumento você considera “seu”? É o baixo, mesmo?


Me considero baixista, é o instrumento em que mais me garanto. Na guitarra, às vezes, fico meio embaralhado. Na volta do Point Of No Return, para retomar as músicas, eu me lasquei, mano [risos].

Você estudou formalmente baixo ou guitarra em algum momento?


Nunca estudei nada, nenhum instrumento… Fiz duas aulas aleatórias com um cara e, dez anos depois, mais umas. Sempre fui meio na escola do Fugazi: faço uns barulhinhos, pego o que acho legal e coloco na música. É mais sobre encontrar ruídos interessantes na guitarra do que tirar som das escalas. No Bufo também é assim: pego uma combinação de pouquíssimas notas que fazem sentido dentro da parada. Às vezes confirmo com os caras para ver se não está destoando; outras vezes, eles acabam seguindo o que estou fazendo.

Você chegou a estudar algum outro instrumento?


O que tentei estudar mesmo foi o piano, mas aí você começa e percebe que é muito sério, exige bastante dedicação. Mesmo assim, todas as aulas que fiz me ajudaram muito a pensar no baixo — foi algo que expandiu minha forma de ver a música. É que, assim, mano, estudar música não é ir lá e aprender a tocar “Tom Sawyer”, do Rush. É saber ler partitura, entender os compassos, tudo isso. Então, a teoria tem que vir junto, e isso exige dedicação. E a gente tem um bilhão de vícios, né? Vou fazer 47 anos e toco desde os 14… Imagina jogar fora tudo que me acostumei e passar a tocar de outro jeito?

Você mencionou que tocava piano enquanto fazia coisas do Bufo…


Quando comecei a mexer nas paradas do Bufo, eu tocava piano em casa todo dia — ele está lá até hoje, uso às vezes. Não para compor, mas, por exemplo, com o Insurgência: na primeira gravação após a saída do Tucano, gravamos o disco e sugeri colocar umas teclas. Levei a gravação para casa, colocava o fone e ficava caçando notas. Deu para fazer umas coisas bem legais. Não sei se, para quem toca teclado, ficou tosco [risos], mas para nós soou bem. E, foda-se, não vou ficar consultando um profissional para adaptar o negócio antes de lançar.

O terceiro disco marca uma mudança na produção em relação aos anteriores. Como foi esse processo?


Os dois primeiros discos foram totalmente caseiros, só eu com meu laptop e uma plaquinha. Já neste terceiro, fomos ao estúdio do Kishimoto, o Jalapeño Verde, em um esquema profissional. Foi a primeira vez que montamos a bateria com um monte de microfones: na esteira, na caixa, os over, tudo bonitinho… Daí que o disco soa como um álbum “de verdade”. O Kishimoto assina a produção, e o Tucano e eu demos as ideias. Acho que, daqui pra frente, vai ser sempre assim.

E as participações especiais? Como aconteceram?


Tem a Nath Calan, uma mina da música clássica que toca tímpano, vibrafone, bateria… Ela é multiinstrumentista. Já trabalhei como roadie pra ela algumas vezes e paguei muito pau. Ela gravou vibrafone em “Dobok”. Em “Esquina”, o final tem duas baterias: o Tucano e o Clayton Martin, do Cidadão Instigado. Se você ouvir com fone, dá pra sacar uma bateria de cada lado. A terceira participação é do Daniel Verano, que toca no Bixiga 70 e gravou trompete na “Papa Lou”.

E a arte do disco? Como surgiu a capa?


A capa é uma foto do Rogério Alonso, apelido Banzai. Ele estava viajando pela Patagônia e clicou uma corredeira d’água que formou uma imagem muito louca, a água parece uma garça ou algo assim… Achamos incrível. Ele mostrou pra gente e decidimos usar. A contracapa é uma foto do Gustavo Moita, que acompanha a gente em todos os shows. É um clique feito no Centro Cultural São Paulo, que mostra a banda inteira em um plano horizontal. O CD foi feito por mim e pelo Tucano, de forma independente. Criamos um selo fictício, “Bufo Records – Lançamento 01”, e mandamos prensar [risos]. Já o LP saiu por três selos brasileiros: All Music Matters, Melomano Discos e Loop Play, que se juntaram para rachar os custos.

E como tem sido a recepção dos formatos físicos?


Tem muita gente que compra CD. O vinil vende mais, mas o CD também tem saída. Muita gente leva um de cada. É muito louco. Eu acho legal.

O nome “Bufo Borealis” tem uma origem bem específica. Você pode contar direito essa história?


Tem um álbum do Frank Zappa chamado All Size Fits All, com aquela capa do sofazão e o charuto. Na contracapa tem uma imagem do espaço com constelações; as junções das estrelas formam uns animais. Uma dessas constelações forma um sapo, e está escrito “Constelação Bufo Borealis”. Se você for pesquisar, “Bufo Borealis” não significa porra nenhuma, mas “Bufo Boreas” é o nome científico de um sapo venenoso da América Central. Eu estava lendo sobre isso na época, e tinha uma explicação sobre os olhos dele, que têm pupilas horizontais. Dessa explicação saiu o nome do primeiro disco, Pupilas Horizontais.

Por:

Eduardo Ribeiro

Fotos: Divulgação

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