
Catto começou a trabalhar em Caminhos Selvagens (2025), seu novo álbum, lá em 2018, quando terminou a tour “O Nascimento de Vênus”. Sete anos depois, tendo passado por uma pandemia e lançado um projeto que renovou sua audiência – e a levou até para o Japão – a cantora gaúcha está de volta com o primeiro lançamento totalmente autoral.
“O ‘Caminhos Selvagens’ é composto por demos que eram segredos muito confessionais”, explica Catto. “E, com a produção [assinada por Fabio Pinczowski e Jojô Augusto], esses segredos explodiram em ideias e texturas a partir das minhas letras”.
Apresentando-se pela primeira vez como Catto, o novo projeto da artista segue Belezas são Coisas Acesas por Dentro (2023), show-álbum em que apresenta canções de Gal Costa. Já o novo trabalho traz as influências roqueiras do anterior, no entanto, mergulha em temas mais profundos, passando por desilusões amorosas, noites de festas, turbulências internas e relacionamentos passados.
PJ Harvey + ‘feminejo’ no mundo onírico
Para Catto, o Belezas foi um álbum solar, enquanto Caminhos Selvagens chega como contraponto. Com seu tom direto e sem muitas metáforas, o novo álbum foi como um diário para a artista, mesclando histórias da vida real com a sonoridade etérea e onírica trançada na produção.
Apaixonada por ícones do rock como The Smiths e PJ Harvey, Catto não nega que o novo disco traz inspirações internacionais. “Queria que o ‘Caminhos’ fosse esse trabalho em que eu não tivesse medo de tocar na ferida, e não tivesse medo de ser triste” – aspecto que ela identifica nestes artistas. Ela também revela que o álbum nasceu com raízes no feminejo.
Elogiando o trabalho de Marília Mendonça, Catto diz que essa foi a maior inspiração para as letras do novo disco. “Qualquer pessoa que ouve se identifica, porque aquilo é tão explicitamente humano, e tão direto, que todo mundo já viveu”, aponta a cantora, dizendo que o feminejo foi a maneira que ela viu de também homenagear sua identidade brasileira.
“A gente é brasileira, gata. Eu sou uma garota que tem um latão de Skol na mão e um Derby na outra”.
Ainda na sonoridade, também é possível identificar essas raízes. Em faixas como “Eu Não Aprendi a Perdoar” e “Para Yuri Todos os Meus Beijos”, a voz de Catto, acompanhada somente pelo violão, tomam grandes seções da canção – antes de começar “uma grande orquestra maluca, extremamente dramática, sem medo algum de ser dramático”, levando o álbum ao mundo dos sonhos.
Com sete anos de pesquisa, Caminhos Selvagens foi criado com o “tempo de se debruçar sobre ele e ter um trabalho de criação e distanciamento, da gente ir, fazer, tirar coisas”, encontrando o som perfeito na encruzilhada entre o rock dos anos 90, a sinceridade e dramaticidade das composições do ‘feminejo’ e de outros ícones da música brasileira, como Maysa.
“Esse disco tem muita coisa da Maysa, da cantora fumante, sexy, trágica, cafona também, sem medo de ser brega, de ser entregue, maluca, apaixonada, cracuda”.
“Um encontro com minha essência”
“Acho que toda cantora tem algum trabalho na sua carreira que abala profundamente nosso emocional, que deixa a gente louca”, conta Catto sobre o processo de gravação de seu novo disco: “É um disco traumático, ele mexia na minha angústia, eu chorava gravando. Tive vários momentos que eu ia para o estúdio, tinha uma crise nervosa, não conseguia gravar e ia embora”.
Sendo brutalmente honesta, a artista explica que a composição das faixas puxou as emoções mais profundas de dentro dela – mas, também, permitiu que ela ficasse frente a frente com a essência de Catto como artista e pessoa.
Escrito e produzido durante sua transição de gênero, o novo álbum apresenta uma Catto ainda mais completa. “O ‘Caminhos Selvagens’ foi um projeto que mexeu na minha parte mais caótica, eu estava vivendo um encontro com minha essência de ser uma partygirl, sair, dançar, f*der, beijar na boca, me divertir, comungar com as pessoas na pista de dança”, explica a artista.
E foi com essas experiências que a artista descobriu um dos pilares do disco: a dicotomia entre ser amada e ser amante. Casada e divorciada duas vezes, e “nunca mais!”, nas palavras da própria, Catto afirma que durante sua transição percebeu que sempre havia tomado o papel submisso em suas relações, e agora queria se posicionar como a “desejante”, o que é percebido em momentos do disco como “Madrigal” e “1001 Noites is Over”, nos quais ela brinca com esse novo aspecto dela mesma.
“Fiquei muito feliz porque eu virei uma loba aprendiz da Madonna, sou filha da Madonna e da Cher, acho que homem, para mim, tem que beijar o chão que eu piso, tem que me tratar como uma rainha”.
Em 33 minutos, oito faixas, Catto constrói uma reflexão sobre si própria e, olhando nos olhos de seu ouvinte, disserta sobre os caminhos selvagens em que passou para chegar aqui. “Queria que o disco tivesse esse peso, como se fosse uma coisa que tu desse o play e sentisse aquilo e pronto, ele não se propõe a aliviar nada”, finaliza ela.