
Abrindo suas portas em 1963, a gravadora Elenco foi a casa da Bossa Nova durante cerca de 20 anos – representando uma resposta à ascensão da Jovem Guarda nos anos 60, além de uma movimentação para a preservação da música de artistas como Tom Jobim, Nara Leão, Vinícius de Moraes e muitos mais.
Fundado por Aloysio de Oliveira, em parceria com o empresário Flávio Ramos, o selo surgiu como uma maneira de abraçar cantores e compositores, como Lúcio Alves e Sylvia Telles, que seriam dispensados pela gravadora Odeon, um dos maiores nomes da época.
Naquele momento, Aloysio, que era diretor artístico na Odeon, estava assistindo de camarote à mudança da indústria musical brasileira e à ascensão da Jovem Guarda, o que o impulsionou a se posicionar contra o “esquecimento” da Bossa Nova, como explicou ao jornalista Aramis Millarch na época.
Durante seus primeiros anos, a Elenco garantiu a eternização da Bossa Nova, além de criar um novo visual para o gênero musical – especialmente com o trabalho do designer Cesar Villela nas capas. Com sua tipografia variada, fotografias ou ilustrações em preto e branco e os clássicos pontos vermelhos, Villela criou a cara oficial da Bossa Nova.
As capas e caras da Bossa
Preto, branco e vermelho, essas foram as três cores que marcaram a Bossa Nova dos anos 60 – resultado do trabalho de design de Cesar Villela, que criou as capas de álbuns icônicos como Nara (1964), de Nara Leão, e Baden Powell à Vontade (1967), de Baden Powell. Mesclando fotos, ilustrações e tipografias autorais, ele criou o visual oficial desse som.
“Na medida que a bossa nova fez sucesso internacional, as capas [de Vilela] ajudaram a apresentar a cultura visual brasileira para o resto do mundo”, nos conta Claudio Rocha, especialista em tipografia e editor da revista Tupigrafia.
Villela foi responsável pelas primeiras 16 capas da gravadora Elenco, trazendo referências que iam desde a experimentação visual dos álbuns de jazz da época, à simbologia da cabala. De acordo com Rocha, essa mescla de influências, além de aspectos inovadores – como as fotos em alto contraste, garantiu que os designs chamariam atenção.
As capas da Bossa Nova, inclusive, foram tópico de uma entrevista de Cesar Villela à própria Tupigrafia em 2012. Sobre essa experiência, Claudio Rocha diz que os encontros com o designer foram “muito memoráveis”, criando momentos em que eles puderam explorar o processo criativo de Villela, especialmente na tipografia.
“Fiz as minhas próprias fotoletras”, explicou Cesar Villela, na época, sobre a criação de seus títulos tão marcantes: “Eu tinha uma pasta sanfonada, com as fontes separadas em um pequeno envelope”. Com essas fontes, o designer montava as capas “com a famosa e saudosa cola de borracha Goodyear” e levava para gráfica para impressão.
“Na década de 50, a experimentação gráfica nas capas de jazz nos EUA trouxe a tipografia para o primeiro plano, com soluções de linguagem ousadas. […] Acredito que essa referência deve ter repercutido de alguma maneira no estilo inovador das capas da Elenco”, explica Rocha sobre as referências tipográficas de Villela.
Além da tipografia e das imagens, um dos maiores destaques das capas da Elenco eram seus detalhes em vermelho – especialmente as bolinhas, das quais sempre tinham quatro. O motivo por trás disso era espiritual: de acordo com Cesar Villela, o número de círculos vermelhos era ditado pela cabala e a numerologia, com o quatro representando estabilidade, harmonia e ordem.
Com esse estilo minimalista, as capas da Elenco, desenhadas por Cesar Villela, diferenciavam os discos da gravadora da onda da Jovem Guarda que tomava as lojas de vinil da época. Sobre isso, Claudio Rocha aponta: “Acho que não se encaixavam em capas de álbuns de música popular ou da música jovem que começou a se expandir no final dos anos 1960. […] Essas [capas da Elenco] são uma referência indiscutível na história do design gráfico brasileiro!”.
Atraindo consumidores com suas capas únicas nos primeiros anos, a gravadora Elenco dominou a Bossa Nova por quase vinte anos, deixando sua marca na história da música brasileira, especialmente neste gênero, contando com projetos musicais e visuais que reverberam até hoje.