
Consolidada na cena eletrônica paulistana como DJ e produtora de renome, Malka Julieta debutou seu primeiro álbum solo, Chão (2025), em maio, misturando house, indie pop, R&B e funk. Gestado pela artista, mas criado a muitas mãos, o projeto conta com participações de Deize Tigrona (em uma parte 2 da faixa de Deize, “Sururu das Meninas”), Nomade Orquestra, Zopelar, Brisa Flow, Dharma Jhaz, BadSista, Vênus Garland, Leoa, Synto e Ashira.
Ao dar play nos primeiros segundos do álbum, o ouvinte é convidado a embarcar nas ondas sonoras de Malka ao som de trompetes, em parceria com Nomade Orquestra e Zopelar. A faixa-título, “Chão”, dá o tom do que vem por aí: uma mistura oscilante de dub com toques de R&B – música feita não só para fritar, mas pra cantar junto, como bom hit. As letras falam de tesão, sonhos, atitude travesti, empoderamento, fama, mudanças de humor. Rindo, chorando, sentando, o importante é não parar de dançar, na pista ou na sala, como sugere a segunda faixa, “Música de Casa”, com participação de BadSista e Venus Garland, uma ode à house music com doses de experimentalismo.
Enquanto o que seria o lado A do disco contempla gêneros mais tradicionais do eletro-pop, o lado B carrega ritmos brasileiros que remetem ao brega, funk e pagodão.
O trabalho é fruto de uma lapidação sonora de Malka ao longo dos últimos 3 anos. “O disco nasceu em 2022, em um momento em que passava por uma crise de saúde, em que a arte se mostrou resistente em mim. Ao lado de Vênus Garland fui me recuperando e compondo o álbum”, conta Malka.
O resultado são as 15 faixas inéditas, lançadas pela Natura Musical. A própria artista divide com a gente sua inspiração para cada uma delas. Confira:
“Chão (Nômade Orquestra e Zopelar)”: A faixa que abre o disco já delineia o tom singular do projeto, chegando como um rap que combina groove brasileiro e elementos de jazz. A letra reflete sobre lutas e conquistas de uma artista trans independente no Brasil, trazendo uma atmosfera grandiosa.
“Música de Casa (Badsista e Vênus Garland)”: Uma brincadeira decolonial com a expressão “house music”, traduzida literalmente como “música de casa”. A faixa explora a ideia da produção musical eletrônica caseira, do jeito brasileiro, e fala sobre o prazer de estar com alguém querido no rolê, mas preferir levar a conexão para um ambiente mais íntimo.
“Sigo Cantando”: Misturando house, funk e samba de Bloco, essa faixa aborda de forma leve as batalhas de se fazer música no Brasil, trazendo reflexões sobre a vivência da artista no cenário musical
“Sururu das Meninas pt2 (Deize Tigrona)“: Continuação de ‘Sururu das Meninas pt1’, que fez parte do EP de retorno de Deize Tigrona, essa música retrata relações lésbicas no ambiente noturno. Combinando funk, pop e amapiano, é uma música de festa com um tom de afeto e diversão entre mulheres.
“Me Love“”“Com uma pegada sensual, essa faixa fala de relações mais intensas e acaloradas com um corpo não binário, de forma leve, divertida e picante. Musicalmente, traz influências do drill e do funk”.
“Sento Chorando” “Um R&B pop que brinca com a ideia de superar uma relação amorosa conhecendo novas pessoas, mesmo que ainda haja tristeza envolvida no processo. Neste momento do disco, apresento uma faceta mais leve, com influências do pop nacional como Kelly Key, não deixando o instrumental cair, com estruturas muito semelhantes aos arranjos de Prince”.
“Sonho Dentro de Um Sonho (Brisa Flow, Dharma Jhaz”: “Inspirada no R&B clássico no estilo de Erykah Badu, essa faixa fala sobre o amor, traçando paralelos entre esse sentimento e a sensação de estar em um sonho dentro de um sonho. Destaca-se como um dos pontos altos do disco musicalmente, a partir daqui os arranjos começam a trazer uma inovação musical e desafios mais complexos ao ouvinte”.
“Meu Pau de Mulher”: Uma espécie de carta para um eu mais jovem, essa faixa aborda o processo de transição da artista e desafia os olhares de julgamento. Brinca com a ideia explícita de ser uma ‘mulher de pau’. Com referências a O Palhaço, de Egberto Gismonti, traz um rap incomum em compasso 6/8, técnica utilizada anteriormente por Kanye West e Mare Advertência – artista zapoteca, oriunda do México, cantora de rap a qual produziu faixas.
“Paty Beijar”: Uma das faixas mais experimentais do álbum, mistura samba jazz no estilo de Edu Lobo e Hermeto Pascoal com house e eletrônico. O refrão surpreende ao se transformar abruptamente em um pagodão baiano, desafiando fronteiras musicais.
10. Bitch is Famous (Potyguara Bardo: Um brega funk que critica o machismo na indústria musical, abordando o preconceito contra mulheres no cenário artístico. A faixa responde, de forma irônica, a provocações que ocorreram no festival MADA, citando a amiga Kaya Conky.
“Chá de Calcinha (Luísa Nascim, Synto”: Misturando brega punk e piseiro, essa música brinca com o imaginário popular das simpatias de amor. Com um refrão marcante, promete embalar as pistas de dança, se tornando uma das músicas mais fortes do álbum, no quesito popular.
“Ácida:” Com influências de house e groove brasileiro na rítmica do baile funk, essa faixa explora como as pessoas pisam nos calos dos outros e, quando há uma reação, tentam vilanizar quem se defende.
“Quatro Mulheres”: Uma fusão de boom bap e MPB dos anos 80, essa música é inspirada em Four Women, de Nina Simone. Conta a história das mulheres da família da artista – mãe, irmã, avó e ela mesma –, retratando sua luta por amor, dignidade e parceria ao longo dos anos”.
“Você tá Longe (Ashira)”: Unindo funk, house e pop, a música fala sobre homens ausentes e mulheres independentes, mostrando a força feminina dentro de um relacionamento. A abordagem é leve e divertida”.
“Acué e Pilantragem”: Um funk 150 BPM que satiriza o espírito colonizador do mercado musical, abordando críticas a quem desvaloriza o funk e outras expressões culturais periféricas, também satiriza as críticas de linguagem neutra de uma forma inovadora.