
Nesta quinta-feira (05/06), Erasmo Carlos faria 84 anos. Ao longo de mais de cinco décadas de carreira, o tijucano lançou 33 discos e nunca parou de se reinventar. O álbum póstumo, Erasmo Esteves (2024), foi o título #90 do NRC e venceu a categoria de Melhor Álbum de Rock no Grammy Latino.
Esculpido na Jovem Guarda, Erasmo Carlos desenvolveu sua música sob olhar atento do público. Embarcou no samba-rock, flertou com a Tropicália e se jogou para outros experimentalismos sonoros, ainda que mantivesse a aura rock’n’roll.
A parceria com Roberto Carlos atingiu o auge criativo aliado à popularidade na década de 1970, mas não parou de se reinventar. Um dos últimos trabalhos, O Futuro Pertence à… Jovem Guarda (2022), venceu o Grammy cinco dias antes da partida do cantor. Aqui, celebramos alguns discos que ajudam a traçar as curvas sonoras que ele percorreu.
A Pescaria (1965)
Se os Estados Unidos tinha Elvis e Beach Boys, a Inglaterra tinha os Beatles, a gente teve Erasmo, que tirava onda, como demonstra neste primeiro álbum. A faixa “Beatlemania” ironizava o fenômeno inglês, com um Erasmo prometendo acabar com a “febre” que atacou o seu bem.
O iê-iê-iê tem sequência com os hits da Jovem Guarda, “Festa de Arromba” e “Minha Fama de Mau”. Renato & Seus Bluecaps e o tecladista Lafayette Coelho acompanharam Erasmo no estúdio, consolidando a sonoridade que também passava pelo surf rock.
Ainda inclui versões de Chuck Berry (“School Days” ou “Dia de Escola”) e de… Beatles (com “Ain’t She Sweet” ou “No Tempo da Vovó”, na faixa original de Milton Ager e Jack Yellen).
Erasmo Carlos e Os Tremendões (1970)
Com arranjo impecável de Chiquinho de Moraes, o álbum marca a transição de Erasmo para uma sonoridade mais sofisticada e, sobretudo, abrasileirada. Começa com “Estou Dez Anos Atrasado”, bradando “eu quero começar de novo” — o que também aponta para essa possibilidade de mudança.
O hino melancólico “Sentado à Beira do Caminho” sintetiza o que há de melhor na parceria com o Roberto. Já no lado B, pende para a bossa: dá passagem para a versão de “Saudosismo”, o clássico de Caetano Veloso com o pensamento em João Gilberto.
Conta, ainda, com a versão de “Aquarela do Brasil”, de Ary Barroso, devidamente acompanhada por uma guitarra bossa-novista. No samba-rock-hit dedicado à Narinha, “Coqueiro Verde”, cita Leila Diniz e o tabloide O Pasquim, como em um frame daqueles tempos.
Carlos, Erasmo… (1971)
A capa do cultuado Carlos, Erasmo…(1971) mostra um Erasmo caubói, brasileiro e amadurecido, assim como sua sonoridade. Transita do rock para o samba e acena por um momento para Jovem Guarda, numa miscelânea digna do Tropicalismo que o inspirou (e foi inspirado por ele).
Novamente, invoca o repertório de Caetano em “De Noite Na Cama”, que curiosamente combina com a atmosfera sedutora de seu repertório. Destaque para “É Preciso Dar um Jeito, Meu Amigo”, que sintetiza a veia roqueira, e a belíssima “Gente Aberta” com sua inspiração hippie.
O jogo de “Masculino, Feminino” fica completo com os vocais doces de Marisa Fossa, d’O Bando. Outra participação é a da Caribe Steel Band em “Maria Joana” — se você pensou na “marijuana” como inspiração, acertou. Conta com um time estrelado, com arranjos Arthur Verocai, Chiquinho de Moraes e Rogério Duprat e, entre os compositores, Taiguara, Marcus Valle e Jorge Ben.
A Banda dos Contentes (1976)
Delineado com riqueza sonora nos arranjos e músicos de primeira, o álbum foi sucesso de público graças à faixa que abre o disco, “Filho Único”, trilha da novela Locomotivas (1977). Ao passar desta primeira faixa, o ouvinte segue se surpreendendo.
Com um Erasmo aberto a experimentações, mergulha fundo na MPB e no soul, com o groove do baixo de Liminha se sobressaindo em “Fatos e Fotos” (de Luiz Mendes Jr. e Renato Terra). A sonoridade de “Continente Perdido (Terra de Montezuma)”, inspirada na ancestralidade da América Latina, soa como se evocasse um ritual. Ele ainda grava, antes de seus compositores, as clássicas “Queremos Saber” (Gilberto Gil) e “Paralelas” (Belchior).
Amar para Viver ou Morrer de Amor (1982)
Apontando para o romantismo que definiria sua carreira nos anos seguintes, o álbum emplacou sucessos como “Mesmo que Seja Eu”, regravada posteriormente por Marina Lima. Começa com a ótima “Filosofia de Estrada”, dele e de Roberto, e inclui “Meu Boomerangue Não Quer Mais Voltar” — que Xuxa regravou em 1985.
Para Erasmo, o álbum tem significado especial por incluir uma das canções mais bonitas do seu repertório, “Amar para Viver ou Morrer de Amor”. Décadas depois, a capa impactante assinada por José Luiz Benício foi plagiada pelo MC alemão Morlockk Dilemma, em 2014. O ilustrador foi à justiça e venceu.
Gigante Gentil (2014)
Nas últimas décadas, o destaque fica para os momentos em que Erasmo se volta para o gênero que fez sua cabeça desde quando era um adolescente tijucano, marcado pelo álbum Rock’N’Roll (2009). Produzido por Alexandre Kassin, Gigante Gentil (2014) não economiza na pegada roqueira, mas se delineia também no romantismo que fez a carreira do cantor.
“Amor na Rede” (em parceria com Nelson Motta) e “50 tons de Cor” mostram um Erasmo antenado aos blockbusters do momento e às relações contemporâneas. Com o trabalho, venceu seu primeiro Grammy Latino como “Melhor Álbum de Rock”, premiação justa para um dos grandes nomes do gênero no país — um gigante de talento e coração gentil, fazendo jus ao apelido dado por Lucinha Turnbull.
* Esta matéria foi publicada originalmente na revista Noize #90 que acompanha o disco Erasmo Esteves (2024), lançado pelo Noize Record Club.