
Marku Ribas é homenageado na capa de Coisas Naturais (2025) de Marina Sena, título do NRC. Cantor, compositor, instrumentista e ator, Marco Antônio Ribas fez carreira com o apelido “Marku”, em homenagem à tribo indígena Cariri.
Em sua trajetória, Marku passou pelos palcos e pelas telas, construindo um legado multicultural e polissêmico, especialmente na música brasileira. O cantor explorou o funk, jazz, ritmos caribenhos e populares com maestria. O artista de Minas Gerais foi um dos maiores expoentes do samba-rock. Ele faleceu em 2013, aos 65 anos, vítima de câncer de pulmão.
Eduardo Brechó é artista, pesquisador na área de cultura do vinil, proprietário da Petróleo Music e músico da banda Aláfia. Ele teve a chance de conhecer Marku Ribas pessoalmente e se aprofundou em sua obra. Abaixo, Eduardo lista quatro discos fundamentais para entender a essência de Marku.
Marku (1973)
Primeiro disco solo do Marku, de quando ele veio pro Brasil de volta do Caribe. É conhecido como “Underground”, mas o título é Marku, Underground é o nome do selo. Muita gente confunde. A capa é maravilhosa, Marku Ribas antecipa o que, depois, seria o símbolo do cumprimento do Wakanda.
Mas esse tipo de cumprimento é uma saudação muito comum no Caribe, inclusive as pessoas que são adeptas da tradição da [religião afro-americana] Santeria se cumprimentam dessa forma. Uma vez, o Marku me explicou a capa, contou a vontade dele de trazer essas referências caribenhas, as tranças, e esse colar que ele tá na capa ele falava que era “colar de macaco com uma pedra de Iemanjá”, é como ele descrevia.
É um tipo de apresentação completamente étnica, que pouco se via no Brasil daquele tempo. Ele não procurava ser norte-americano em nada esteticamente falando. É um tipo de coisa que não era nem a MPB elitizada buscando uma legitimação através da tradição da bossa nova e nem a corrente do modismo do soul da época. Era uma terceira coisa, que seguiu o Marku até o final.
E musicalmente é demais. Arranjos do Erlon Chaves. Foi o disco que arrebentou com a minha cabeça, quando escutei “5 horas e 30 na praia de Schoelcher…”. A voz dele, a pegada, os arranjos, tudo. Tem toda genialidade do Marku e canções bonitas. É super brasileiro, é samba pra caramba, mas é muito particular e já apresentava o que seria o Marku.
Marku (1976)
Segundo disco do Marku solo pela Underground. Só que aqui já junto de uma turma de músicos que estavam gravando já uma coisa mais elétrica, mais ligada ao samba soul. Então você sente a influência do soul, do jazz, já tem um pouquinho de fluidez, de trânsito com a música americana nesse disco.
E é riquíssimo, a colaboração do João Donato nesse disco é impressionante. Foi um disco que foi trabalhado pela gravadora Underground, mas que fez muito menos sucesso que o primeiro. Por várias razões. A época, os problemas na gravadora, depois o Marku saiu da Copacabana, que era a dona da Underground. Mas esse disco é demais, eu acho que tem um tipo de samba soul aí, um peso, uma força no groove em todas as músicas que depois não se fez mais.
A sonoridade, timbragem, é impressionante, o trabalho de banda, mais do que as canções. O que sempre me impressionou nesse disco foi a sonoridade, mais do que as canções. O primeiro disco funciona pra caramba em voz e violão, esse disco é um disco de banda. O groove, o jeito que a cozinha toca. E aí mostra uma outra faceta do Marku, que é a de arranjador, como ele fazia os arranjos de base, as ideias musicais de ritmo que ele tinha, ele explorou isso nesse disco.
Barrankeiro (1978)
É o primeiro disco dele pela Philips, pela Polygram. E é impressionante porque é um disco conceitual. Depois do Marku se colocar como uma pessoa internacional, cosmopolita, falar de coisas do Caribe, trazer músicas do folclore angolano, do folclore da Martinica, reivindicar o seu papel como artista universal nos dois primeiros discos, no terceiro disco – ele já tinha apresentado isso nos primeiros discos, a questão da origem dele, mas sempre se colocando no mundo, como uma coisa muito importante, de ser um artista universal, cosmopolita.
No terceiro disco, Barrankeiro, é um disco conceitual que ele fez justamente para sua origem. Então você ouve o som do Rio São Francisco, daquela música que foi feita por ele dentro daquele contexto do Norte de Minas Gerais, de onde ele vem. Então, o nome Barrankeiro tem tudo a ver com o conceito do disco, aí você vê frases como as que tem na canção “Mulher” que fala assim, “andar andei, mas foi cá por essas bandas que eu me criei / amar amei, mas foi cá por essas bandas que eu me casei”.
Então, ele tá querendo dizer que, mesmo ele sendo um artista universal mundial, né, a origem dele, a cidade de Pirapora, e o barranco, o Rio São Francisco é a parte mais importante da vida dele, a qual ele dedica esse disco. As canções desse disco estão entre as melhores do Marku, eu acho que é um disco inspiradíssimo.
Como é um disco muito ligado à terra, à água, à coisa mais simples, mais pura da influência e da expressão dele, as canções são muito boas. Tem várias, todas canções desse disco, quando eu quero realmente encontrar com o Marku pessoa, né, para além dos rótulos, para além da parafernália artística que envolve a persona artística dele, a figura dele, o Marku pessoa, pra mim, é no Barrankeiro.
Autóctone (1991)
É um disco que saiu pela Ariola, mas é um disco também com esse viés independente, que foi pago do bolso, né. Isso aí não importa, mas a música, que depois seguiu e que acompanhou o Marku dos anos 1990 pra frente tem muito do Autóctone. Do tipo de show que ele fazia, tem muito a ver com esse repertório do Autóctone. Porque ele demorou pra gravar de novo, então ele ficou bastante em cima desse repertório. Bastante em cima desse tipo de música.
E aí já tá meio que, a consolidação da linguagem do que seria o Marku Ribas, todos aqueles pontos que foram colocados, tanto de canção quanto de arranjo quanto de proposta de persona artística, no Autóctone tá bem presente, porque ele traz a questão do universal, ele grava “Banana Boat Song”, ele grava “Favela Blues”, ele faz releituras de músicas dele, tentando se reapresentar de novo pros anos 90. Isso de um jeito interessante.
Pra quem ama o Marku, pode ter uma certa dificuldade de ele se estabelecer no mercado, mas pra quem realmente ama, toda vez que ele apresenta novamente uma coisa do passado, tem um gosto novo né. Eu adorei quando apareceu o CD do Batuki com as gravações do Marku na França, foi ele que me mostrou inclusive essas gravações na casa dele, lá em BH, o material inédito dele tem muito frescor.
E o Autóctone é um tipo de sonoridade que não é aquela sonoridade que eu gosto tanto quanto eu gosto dos outros, em termos de sonoridade, mas pelo carinho que eu tenho pelo Marku de quando eu conheci ele, eu sinto muito dessa fase do Autóctone, quando eu conheci ele, antes de ter realmente essa demanda do samba rock por ele de novo, quando o samba rock voltou à moda, o Marku estava muito fazendo esse som aí que você pode conferir no Autóctone.