
Há décadas, o funk e o sertanejo são os ritmos predominantes no Brasil. Nos últimos anos, porém, um novo gênero se juntou a esse pódio: o trap. Popularizado principalmente por artistas cariocas, como Orochi, L7nnon e MC Cabelinho, o gênero – que, no Rio, ganha batidas suaves e cadências lentas, que em momentos se assemelham ao funk – , domina paradas de streaming em todo o país.
Atualmente, o trap é quase visto como um estilo próprio; uma categoria distinta de suas raízes no rap. São tantas as diferenças estéticas e de mercado que o trap, hoje, se sustenta sozinho. Mas é inegável que a cultura hip hop foi a origem, como fala o pesquisador Gabriel Gutierrez: “Eu entendo que o trap é apenas mais um gênero dentro do rap estadunidense. Lá pra eles isso é muito claro”, diz ele à Noize.
Partindo dessa conexão histórica, os primórdios do trap no Rio de Janeiro foram as primeiras instâncias do hip hop estadunidense que chegaram à capital fluminense: o Miami Bass, subgênero do rap nascido na Flórida que conquistou o coração dos cariocas. A forma como essa influência se deu foi com o surgimento do funk, que Gutierrez, cuja tese de doutorado em comunicação é um estudo do rap carioca, declara que foi “o primeiro rap brasileiro”.
É algo que se via pelos títulos de uma primeira onda do funk, como “Rap da Felicidade” de MC Cidinho e Doca, e “Rap do Silva”, de MC Bum Rum, e a coletânea Rap Brasil, lançada em 1995.
Enquanto isso, outros tipos de rap, principalmente as formas mais líricas oriundas de Nova York e Los Angeles, chegavam ao Brasil pelos meios de comunicação em massa como a TV e o rádio. “O Marcelo D2 diz que viu rap pela primeira vez no Faustão. O Marechal fala que conheceu o rap pelos jogos da NBA. Por mais que o rap que chegue seja um rap rebelde, antirracista, ele é um rap exportado como commodity dentro do contexto estadunidense”, explica Gutierrez.
É por isso que, com a cena do hip hop carioca já grande e estabelecida, o trap passa a aparecer no Brasil na década de 2010, quando se torna um grande fenômeno nos Estados Unidos. Nascido em Atlanta – já casa de grupos e artistas importantes do rap do sul, como Outkast e T.I. –, o gênero chamou a atenção pelo uso estético do autotune, os beats de 808s e hi-hats, e letras mais simples.
Em 2015, quando faixas como “Lifestyle”, do grupo Rich Gang, e “Trap Queen”, do rapper Fetty Wap já dominavam as paradas americanas, o trap começou a dar as caras no Rio de Janeiro. Um exemplo foi a Néctar Gang, fundada por BK’ ao lado dos rappers Bril e CHS e o beatmaker JXNV$. Na mixtape Seguimos na Sombra, lançada em 2015, o grupo mostrou que suas referências trap já tinham até mesmo se descolado do trap de Atlanta e ido buscar outros desdobramentos do ritmo, como o som dos nova-iorquinos do A$AP Mob.
Um tempo depois, em 2018, o produtor WC no Beat lançou o álbum 18K, que mesclava o trap com o funk. Juntando muitos talentos dos dois gêneros, como Cacife Clandestino, Xamã, MC Cabelinho, MC Maneirinho e MC TH, entre outros, o disco se tornou um marco inicial de como os dois gêneros começaram a interagir na música carioca.
“O começo do rap no Rio esteve muito ligado ao funk, e me parece que o trap é um retorno a isso de certa forma”, fala Gutierrez. “O trap tem mais encontros, tem mais a ver esteticamente com o funk do que talvez o hip-hop tivesse no geral.”
No final dos anos 2010, o trap já era abundante no Brasil, com novas vertentes e subgêneros surgindo a cada esquina. Mas foi o trap funk quem brilhou mais forte. A pandemia e os períodos de isolamento social, a partir de 2020, garantiram que esse sucesso fosse ainda mais longe, fazendo a música de festa (o funk) dar lugar a uma versão mais relaxada e vagarosa, mais apropriada para ouvir em casa.
Muitos dos rappers que encontraram sucesso no trap surgiram das batalhas de rima cariocas. O principal deles é Orochi, que em 2020 lançou seu primeiro álbum, “Celebridade”. “Acho que [o estouro na pandemia] foi por um timing de gestação. Nasceu naquele momento depois que foi gestada nas batalhas, com esses moleques novos vendo as coisas, consumindo coisa gringa”, diz Gutierrez.
Nos próximos anos, mais e mais hits vieram, estabelecendo o trap funk carioca como o novo grande ritmo não só para o público do Rio, mas no país inteiro. Em 2021, BIN bombou com “Marília Mendonça” e L7nnon com “Freio da Blazer”. Em 2022, Xamã teve a música mais ouvida do Spotify por cinco semanas consecutivas com sua “Malvadão 3”; mesmo ano em que MC Poze do Rodo e Filipe Ret bombaram com “Me Sinto Abençoado”.
“O trap gerou artistas tão bem sucedidos que eles começaram a criar empresas para gerir seu próprio trabalho, e, ao mesmo tempo agenciar outros artistas”, fala Gutierrez, se referindo a gravadoras como a Mainstreet, Medellin, Nadamal e Pineapple. “O trap está num sistema economicamente mais sustentável do que ele já esteve, pelo menos no Rio de Janeiro”.
O sucesso do trap carioca foi tão grande que os rappers se tornaram parte não só da cultura brasileira do hip hop, mas também da cultura pop: Xamã e MC Cabelinho atuaram em novelas da Globo; artistas passaram a fazer parte de line-ups de eventos enormes como Rock in Rio e Lollapalooza.
Gutierrez finaliza: “O trap é um novo momento do rap brasileiro. A gente já foi muito Los Angeles, a gente já foi Miami. E agora a gente é Atlanta.”