
O Parque Ibirapuera vem sediando importantes festivais nesta temporada: na semana passada, recebeu o C6 Fest (24 e 25/05) e, na próxima, sedia Best of Blues and Rock (07 a 15/06). Mas no último sábado (31/05), todas as atenções estavam voltadas ao Popload Festival.
Queridinho dos indies, o evento chega à nona edição com audiência cativa. Mesmo quem vai sozinho encontra um amigo no meio do caminho, ou se contenta em estender uma canga à sombra de uma árvore para acompanhar os shows.
A curadoria do jornalista Lucio Ribeiro, que já trouxe de Wilco a Patti Smith, segue acertada – desta vez, a aposta foi na novidade Exclusive Os Cabides abrindo o palco Heineken, seguido por Tassia Reis e a dobradinha Terno Rei-Samuel Rosa, atrações que tocaram no cair da tarde.
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Esta edição também contou com boas novidades: a começar pela divisão entre o público 30+, já cativo do festival, em contraste com grupinhos de adolescentes usando laços no cabelo – e devidamente acompanhadas pelos pais. Elas foram em peso para assistir à islandesa Laufey, sensação do TikTok que preferiu trocar as dancinhas por um som mais glamuroso, inspirado pela bossa nova.
Laufey era uma das headliners de uma lista totalmente formada por mulheres. Antes dela, Kim Gordon abriu os trabalhos do experimentalismo-punk seguida por St. Vincent, tomando o Ibirapuera com guitarradas distorcidas e performances hipnotizantes. Já Norah Jones ficou a cargo de encerrar a noite em um show romântico e contemplativo.
Outra novidade foi o Poploading by Heineken. Puxado por Yago Oproprio, já conhecido do público da Noize, o espaço recebeu artistas independentes em destaque, como Maria Beraldo, Stefanie, Supervão e Jadsa, e novas apostas, como a fritação debochada do Vera Fisher Era Clubber.
Mesmo com tantas atrações boas – para não perder o costume – selecionamos 5 highlights desta edição, que você confere abaixo:
Terno Rei + Samuel Rosa
O público começava a chegar em peso no parque quando se ouvia os primeiros acordes de “Resposta”, hit do Skank, fruto da dobradinha Nando Reis-Samuel Rosa. A união entre o vocalista da nossa mais bem-sucedida banda de pop rock com o Terno Rei foi acertada. A ideia original surgiu de uma session idealizada Balaclava em 2021, que mistura sucessos do Skank e do Terno Rei.
O show formatado para o festival foi um desfile de hits, incluindo “Yoko”, do repertório do Terno Rei, e “Balada do Amor Inabalável”, do Skank. Uma escolha acertada de repertório e arranjos que combinavam com a sonoridade dos dois projetos, equalizando o indie melancólico e o rock radiofônico. Um show que mereceria seguir excursionando por aí.
Kim Gordon
Quem se aproximava do palco Heineken pouco antes da rainha do rock alternativo entrar em cena já não conseguia chegar perto – uma comoção natural, já que estamos falando de Gordon, pilar da resistência feminina no rock e ex-baixista do Sonic Youth. Mas, chegando mais perto, via-se, na verdade, uma porção de adolescentes disputando espaço com os fãs de Kim – o que era meio previsível, já que Laufey seria a próxima atração.
Essa é das belezas de um festival, afinal de contas: muitas meninas se depararam pela primeira vez com Kim Gordon, como numa aula ao vivaço de atitude e distorção (quem sabe, assim, alguma delas não sairia de lá inspirada a pegar uma guitarra, como já pregava Courtney Love. Não custa sonhar).
No cair da tarde, Kim subiu ao palco com sua superbanda, formada por Madi Vogt (bateria), Sarah Register (guitarra) e Camilla (baixo). Gordon usava o moletom “Gulf Of Mexico” combinado com um shortinho preto, meia-calça e saltos – look que já lhe é de praxe. Aos 72 anos, a artista entregou uma performance enérgica e roqueira na essência: tocou guitarra, arranhou a guitarra na caixa (como não deveria deixar de ser), deitou no palco, fez o público vibrar sem falar uma palavra.
Ainda que alguns desavisados tenham esperado por hits do Sonic Youth – sua ex-banda fez o último show da carreira no SWU 2011, sob um clima pesado do divórcio de Kim com o guitarrista Thurston Moore -, um retorno ao passado se provou dispensável: Kim segurou o repertório com o excelente disco The Collective (2024), misturando rock, trap, dub e spoken word, sem a pressão de se adequar a um gênero específico. Cada vez mais atual, Kim segue fiel ao experimentalismo sonoro – quer trabalhar nas fronteiras dos estilos musicais, renegando a se adequar a mais uma gaveta. Não tem atitude mais rock’n’roll que isso.
St. Vincent
Sob o pseudônimo de St. Vincent, Anne Clark entregou o show com mais energia do palco Heineken. Energia de gostosa, para ser mais justa. Para além de performer excepcional – tanto no canto quanto na guitarra, comandando corpo e instrumento em perfeita sincronia – Annie entregou um show vibrante, pautado no novo álbum, All Born Screaming (2024) e no influente Masseducation (2017).
Também acalentou os fãs de longa data com faixas como “Cheerleader”, do Strange Mercy (2011), discão que consolidou Vincent como compositora e guitar hero de respeito: hoje ela tem sua própria linha de guitarras, cravando o senso estético e sonoro em seus projetos paralelos. Oportunidade de ouro para a maioria dos fãs que não acompanharam sua passagem mais recente pelo Brasil (abrindo o show de Olivia Rodrigo em Curitiba, em março deste ano).
Laufey
A islandesa poderia ser novidade para parte do público fiel do Popload, mas foi uma boa surpresa para qualquer um que estava ali pela música. Mesclando voz angelical e simpatia com a audiência – diversas vezes ficou emocionada com os fãs que comemoravam com gritinhos no início de todas as músicas (e isso não é força de expressão) – Laufey ainda provou ser uma multi-instrumentista de primeira, alternando-se entre o piano e o violão.
Apresentando um jazz pop com toques de bossa nova, comoveu ainda mais os fãs com o hit “Goddes”, de seu segundo álbum, Bewitched (2023). Foi bonito ver os vestidinhos das fãs combinando com o da cantora, as luzes de celular apontadas para o palco e a emoção da islandesa por estar na terra da bossa nova.
Após o show, Laufey agradeceu os fãs brasileiros com um post no Instagram ao som de Luiz Bonfá e rasgando elogios ao pão de queijo. Fofa. Se os fãs da jovem puderam conhecer Kim Gordon, foi a vez do público do festival se permitir encantar por bons sons vindos do algoritmo – afinal, eles existem.
Norah Jones
Unindo geração X, millennials e gen Zs – apesar de parte destes últimos ter ido embora mais cedo – Norah Jones fez um show para “unir a todas as tribos”, citando o velho meme do antigo Twitter. Quem esperava pelo hit-mor “Come Away with Me”, lá de 2002, precisou passar – não sem gosto – pelo novo repertório do disco Visions (2024), que aposta numa sonoridade mais experimental e um tanto melancólica.
Mas logo o romantismo de sua discografia voltou a tomar conta do set. Selando a proposta de unir gerações, Norah chamou ao palco Laufey para cantar “Come Away with Me”, do álbum homônimo, fechando os trabalhos da noite em uma performance angelical e etérea. Um grand finale para o público sair do Ibirapuera de alma lavada.