
A cantora e compositora Clara Bicho estreou, no último dia 5 de maio, com o EP Cores da TV, seu primeiro registro fonográfico além dos singles, e promete destacar-se na nova geração da música brasileira. Contando com feats da paulistana Sophia Chablau e dos catarinenses Exclusive Os Cabides, o trabalho ainda traz a colaboração de Dizzy Vargas, da banda Pluma, na faixa homônima do registro, enquanto produtor.
Construindo sua linguagem imersa no indie pop, a artista traz nas composições um gostinho do pop rock mineiro (Clara é de Belo Horizonte) e flerta com a dance music e o synth pop. Com arranjos baseados em guitarra, baixo, sintetizador e bateria, há ainda a presença de percussões e do trompete. Apesar de ser um trabalho de estreia, é possível perceber uma identidade muito bem definida nas texturas, timbres, efeitos e demais recursos utilizados em Cores da TV, que conta com faixas produzidas pela compositora e parceiros como seu irmão Gabriel Campos e Gui Vittoraci.
Com uma abordagem que preza pela simplicidade construtiva e coloquialidade, Clara Bicho traz em suas letras imagens cotidianas. Não é à toa o nome das faixas, em sua maioria reportando objetos ou espaços comuns: “Árvores do Fundo do Quintal”, “Meu Quarto”, “A Rua”, “Luzes da Cidade”, “Cores da TV” e “Música do Peixe”. A artista parece cantar e dar atenção ao que vê e vive nos momentos mais corriqueiros da vida.
“Sempre valorizei o simples — acho que as coisas mais importantes da vida estão no cotidiano, não nos grandes eventos. Gosto desse olhar mais atento para o que passa despercebido”, declara a artista em entrevista à NOIZE. E continua: “Prefiro algo direto e simples, que emocione, do que grandes metáforas elaboradas que nem sempre dizem algo de verdade”.
Conversamos com Clara sobre Cores da TV, o início de sua carreira musical e suas expectativas para o futuro. Confira.

Teus singles e agora o EP mostram a construção de uma linguagem musical, misturando indie, algo do pop rock mineiro e até elementos de dance. Como foi o processo de produção do EP?
A produção levou mais de um ano. Como eu não tenho gravadora, estúdio ou banda fixa, fui me virando para reunir pessoas e recursos, me esforcei muito para fazer o EP. Compus todas as faixas sozinha, exceto “Cores da TV”, que escrevi com a Sophia Chablau. A “Música do Peixe”, produzi 100% sozinha — gravei os synths, chamei músicos como a Marília Toledo pro baixo, e fui montando tudo do meu jeito. Outras tiveram parcerias: “Meu Quarto”, “A Rua” e “A Casa” foram produzidas pelo Guilherme Vitoracci; “Cores da TV” foi gravada com os meninos da Pluma e produzida pelo Dizzy. Em todas, estive presente desde a composição até detalhes da produção. Foi um processo bem artesanal, feito com ajuda de muita gente, mas com bastante envolvimento meu em cada etapa.
Tuas músicas têm um cuidado evidente com letra e melodia, remetendo à tradição da canção brasileira. Como é teu processo de composição e como tu pensa essa centralidade da palavra e da melodia no teu trabalho?
Apesar de tocar melhor piano, geralmente começo com o violão — é onde escrevo quase tudo. Faço uma progressão de acordes e canto em cima, muitas vezes já com letra. Escrevo sobre mim, de forma pessoal e direta. Gosto de letras simples, que comuniquem com clareza, sem muita metáfora ou palavras rebuscadas. Também amo criar melodias — é a parte mais divertida para mim. Sobre estrutura, muitas vezes repito letras ao invés de criar um verso novo só por criar. Se já disse o que queria, prefiro manter. Algumas músicas do EP fogem da forma tradicional de pop; trato elas quase como poemas cantados. Se eu já falei o que eu tinha para falar na música, então está pronta. “Meu Quarto”, por exemplo, é a mais evidente nesse sentido.

Tuas letras partem de imagens simples e cotidianas — como as cores da TV ou as árvores do quintal — e ampliam essas cenas. Como tu enxerga esse foco no cotidiano e essa linguagem mais direta na tua escrita?
Minhas músicas falam sobre mim, sobre minha vida e sentimentos, e isso acaba se expressando por meio de imagens comuns, do dia a dia. Sempre valorizei o simples — acho que as coisas mais importantes da vida estão no cotidiano, não nos grandes eventos. Gosto desse olhar mais atento para o que passa despercebido. Desde adolescente, me identifico com artistas que tratam desse universo — lembro, por exemplo, do meu TCC sobre autorretratos da Anna Bella Geiger e como ela representava a vida cotidiana de uma mulher. Esse tipo de sensibilidade sempre me tocou. Prefiro algo direto e simples, que emocione, do que grandes metáforas que nem sempre dizem algo de verdade.
Você comentou que várias pessoas te ajudaram a botar esse EP de pé. Pode falar um pouco mais sobre essas conexões, tanto no lado afetivo quanto no lado mais prático da coisa?
Acho que tudo começou com meu irmão, o Gabriel. A gente é gêmeo, melhor amigo, e sempre se ajudou em tudo. Foi emocionante ter ele comigo nesse processo. Todas as conexões que surgiram nesse EP foram muito genuínas. A Sofia, por exemplo, me chamou pra fazer uma música, mesmo sem a gente se conhecer pessoalmente. Ela disse que ouviu falar bem de mim por um jornalista de SP, viu que eu era acessível no Twitter, curtiu meu som e me chamou. Com o Diego e o Gui também foi assim, tudo muito natural. E com os meninos d’Os Cabides, mesma coisa — vi eles na internet, achei massa, a gente se conectou. O Antônio até faz backing vocal escondido na faixa “Peixe”. Acho que foi uma mistura de sorte, encontros verdadeiros e um olhar mútuo de “essa pessoa parece ser massa”. Além disso, estar com artistas mais experientes como Sofia e Dize me ajudou muito tecnicamente.

Você acha que esse retorno rápido e o destaque na imprensa também têm a ver com teu trabalho como jornalista?
Com certeza. Eu mesma faço minha assessoria de imprensa desde o começo, por falta de grana mesmo. Sempre dei muito valor à comunicação e acho que isso fez diferença. Minha primeira música entrou no top 5 da playlist Indie da Alt Br sem eu mandar pra ninguém, nem sair por selo. Foi só eu e Gabriel, em casa. Depois disso, começou a sair em vários veículos. Já ouvi críticas de músicos daqui de BH dizendo que eu postava demais, que era superficial, mas acho que a gente tem que fazer a música e também correr atrás pra ela ser ouvida. Claro que tem uma pitada de sorte também — alguém certo ouvir e gostar faz toda a diferença. No meu caso, acho que foi isso: uma pessoa ouviu e indicou, e aí os outros começaram a ouvir também. Estou muito feliz e muito grata pelo espaço e pelas conexões que esse processo me trouxe.
Você tem um universo visual muito próprio — faz capas, animações, etc. Como vê esse lado visual no teu trabalho e como ele compõe quem é a Clara Bicho artista?
A parte visual sempre foi muito natural pra mim. Desde adolescente, eu passava horas desenhando, pintando, criando personagens. É um universo que faz parte da minha vida mesmo, não é algo separado da música. Acho que minhas ilustrações têm tudo a ver com as músicas porque tudo vem do mesmo lugar — é pessoal, é o meu jeito. Tem algo quase meio estranho, mas real: quando alguém escuta uma música minha, é como se escutasse um pedaço da minha vida por três minutos. E as pessoas percebem isso, essa sinceridade. Já teve uma menina que me parou na rua e falou: “Você é assim mesmo!” Ela achava que meu jeito de vestir e de me mostrar era um personagem, mas não é. Eu sou assim. Vejo muita gente por aí montando personagem de artista, performando algo que não é. No meu caso, não tem separação — tudo o que eu faço, tanto na música quanto no visual, é uma extensão de quem eu sou.

Pra fechar: o que você espera e planeja com o lançamento do EP?
Esse EP foi feito do jeito que deu, com as limitações que eu tinha — pouco dinheiro, pouca estrutura, pouco contato. Por isso mesmo, em vários momentos eu odiei ele, porque queria algo melhor. Mas hoje me sinto feliz e orgulhosa, porque consegui fazer algo que é verdadeiro. Desde a primeira música que lancei, minha ideia sempre foi ter um compromisso comigo mesma. Mas com o tempo, percebi que existe uma comunidade que me acompanha — mesmo que pequena — e eu respeito muito isso. Essas pessoas estão ali, me escrevem coisas bonitas, vão aos shows… então, quero entregar algo que as faça felizes também. O EP foi feito pensando nisso: no que eu podia fazer agora, de forma sincera. Não fiz pra crítica nem pra agradar músicos. Fiz porque é o que eu consigo expressar nesse momento, e espero que quem me acompanha se identifique. E já tô empolgada com os próximos passos!