
O que faz um país voltar a abraçar o vinil? Deixando o streaming um pouco de lado, a Índia passa por um retorno a essa forma de consumo musical. Assim como no Brasil, a população vê certa beleza na estética vanguardista e desacelerada, e se interessa por redescobrir essa forma de arte.
Um dos motivos centrais é experiência analógica da escuta. Em entrevista à Rolling Stone, o colecionador Taha Khan justifica que a mídia física convida o ouvinte a experienciar um álbum da maneira como foi idealizado.
“Com o vinil, a gente não pula as faixas aleatoriamente. Você coloca o álbum na vitrola, aprecia a arte e vive a jornada da forma como ela foi pensada.” Em comparação com o streaming, que permite que as músicas sejam puladas de forma imediata, o vinil convida o ouvinte a ter paciência. O artista e colecionador Harsh Shah, 30, compartilha da mesma visão. “Os álbuns eram feitos para serem uma experiência completa. O vinil te obriga a sentar e absorver tudo aquilo”.
Além disso, a busca pelo vinil desejado também instiga seus consumidores. Taha contou como foi o processo de procura do disco Random Access Memories (2012), do Daft Punk. “Procurei em todo lugar e, quando finalmente encontrei, comprei antes mesmo de ter um toca-discos.”
Harsh viveu algo parecido. “Comprei meu primeiro disco — Bismillah (2019), do Peter Cat Recording Co. — durante a pandemia. A música deles me ajudou muito naquela época, e quando vi que estavam lançando vinil, tive que garantir um. É algo que vou guardar pra sempre”, revelou.
O analista de riscos Arjun Khabnchandani, de 23 anos, comenta que possuir a mídia física o atrai para esse mercado. “Pode soar meio genérico, mas eu amo o fato de poder segurar a música que eu escuto”, completa Saesha Deviprasad, uma admiradora de vinis de 19 anos.
Os vinis também são uma forma de preservar a história e a arte. Saesha revelou que se interessou pelos discos antigos por nostalgia. “O que me atraiu no vinil foi o jeito como a música era consumida nos anos 60 e 70”. A estética antiga das capas, misturadas com o sentimento de se ter um produto antigo em mãos, são fatores que fazem com que as pessoas brilhem os olhos para o vinil.
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O projeto Lucknow Bioscope, que visa restaurar e arquivar vinis, fitas e cassetes raros da cantora indiana Begum Akhtar, é um exemplo de como o vinil pode ajudar a preservar a história de artistas lendários. Akhtar foi uma das primeiras mulheres da Índia a se apresentar em público, a ser gravada e a ter sua música tocada em rádio nacional.
Lucknow Tasveer Hasan, diretor criativo da organização, revela que foram encontradas cartas antigas, anotações e gravações inéditas da artista. “Não é só sobre preservar a voz dela”, diz Tasveer. “É sobre manter viva a sua história.”
Consumir mídia física também é uma forma de apoiar os artistas, uma vez que os serviços de streaming fornecem um retorno baixo aos músicos, que dependem das plataformas para a divulgação de seus trabalhos. “O streaming quase não paga os músicos, mas quando você compra um vinil, está realmente contribuindo com o trabalho deles. É mais pessoal, mais significativo”, aponta Arjun.
O consumo do vinil não é apenas um retorno de um hábito da geração antiga, mas sim um movimento que veio para ficar. Com um mundo cada vez mais acelerado, em contrapartida, parte dos jovens buscam se desconectar da rapidez do streaming e apreciar a arte de uma forma mais significativa, para além da estética.
Algumas lojas de vinil na Índia (para o caso de você um dia passear por lá):
Abdul Razak — Abdul vende vinis desde 1979 e possui uma coleção extensa.
“De jovens de 17 anos a idosos de 70 anos, pessoas de todas as idades vêm até mim”, diz ele. “Spotify e Apple Music nunca poderão substituir a sensação do vinil — o calor, a nostalgia. É algo que a música digital simplesmente não consegue replicar.” Seu conselho para iniciantes? “Comece com os clássicos, os álbuns que definem a história da música. E, mais importante, compre um bom toca-discos — qual é o sentido de colecionar se você não vai vivenciar da maneira certa?”
Rams Musique – A loja de vinil é uma das mais conhecidas e confiáveis da Índia, e recebe um público mais jovem. “A maioria deles está montando uma nova casa e quer um canto de vinil com um toca-discos e alguns discos”, compartilha Sangeeth Ram, gerente. “Alguns casais até investem juntos, comprando um conjunto de discos todo mês depois do pagamento.” O rock clássico continua sendo o mais vendido, mas discos vintage de Bollywood, música clássica Hindustani e Carnática, e álbuns de pop também estão em alta. Enquanto vinis novos são importados da Irlanda, Reino Unido e Europa, os usados são adquiridos localmente. No entanto, altos impostos de importação tornam o vinil caro. “Encontrar distribuidores com ótimas coleções é difícil, mas estamos trabalhando em melhores serviços de entrega para tornar os discos mais acessíveis na Índia.” Para iniciantes, Sangeeth recomenda Dark Side of the Moon do Pink Floyd, tocado em um Audio-Technica LP60X com caixas de som Edifier 1280DBs — “a melhor combinação para iniciantes”, diz ele.
Acessórios imprescindíveis para qualquer colecionador de vinil
Kala Goda Records — Fundada em 2020, a loja é conhecida por sua seleção de discos dos gêneros rock, jazz, Bollywood e artistas independentes
Lojas de Instagram que vendem vinil — Lugares como: @pagalrecords, @digginginindia, @indiarecordco.in, @recordroomindia e @pancham_records possuem uma curadoria extensa de discos
Discogs (Online) — Uma plataforma global para comprar discos. Taha aponta que, se muitos vinis forem comprados ao mesmo tempo, os preços individuais ficam mais baratos.
Loja oficial do artista em shows — Jovens artistas estão lançando álbuns em vinil e vendendo em shows. Arjun conta que grande parte dos vinis de sua coleção vêm das lojas oficiais dos artistas.