ESPECIAL

Erasmo Esteves

Intimidade revelada


Por: Isabela Yu

Isabela Yu

Fotos: Divulgação

<p>O embrião de <strong>Erasmo Esteves</strong> foi gestado na sequência de <em>O Futuro Pertence à&#8230; Jovem Guarda</em> (2022), vencedor do Grammy Latino na categoria Melhor Álbum de Rock ou de Música Alternativa em Língua Portuguesa. Falecido em novembro de 2022, Erasmo Carlos expressou em vida que queria dialogar com a nova geração de compositores. No disco premiado, ele regravou canções da Jovem Guarda, mas o fez na condição de que o próximo álbum olhasse para a continuação do movimento. &#8220;Ele disse que o disco seguinte teria ele abraçando uma turma nova, &#8216;a Jovem Guarda que estava chegando&#8217;&#8221;, lembra <strong>Léo Esteves,</strong> filho e responsável pelo acervo do artista. O projeto encerra a trilogia iniciada em <strong>…Amor É Isso</strong> (2018), empreitada encabeçada por Léo Esteves, ao lado de <strong>Marcus Preto e Pupillo</strong>.</p> <p>A relação entre eles se iniciou quando Erasmo Carlos compôs músicas para projetos em que a dupla de produtores estava envolvida, como um disco da <strong>Wanderléa</strong>, que não saiu do papel, e <em>O Que Os Meus Calos Dizem Sobre Mim</em> (2022), da <strong>Alaíde Costa</strong>, que conta com &#8220;Praga&#8221;, dobradinha do Tremendão com <strong>Tim Bernardes</strong>. &#8220;A gente buscava o frescor de novos produtores que tivessem sensibilidade com o trabalho do Erasmo. Pessoas com a capacidade de extrair o som dele. O Erasmo não estava compondo mais com o Roberto, estava ocioso em relação a essa capacidade, e o Marcus começou a instigá-lo&#8221;, afirma Léo Esteves.</p><div id="videoAd">*</div><br><script type="text/javascript">var t = "//des.smartclip.net/ads?type=dyn&plc=90854&sz=400x320&elementId=videoAd";t += "&ref=" + encodeURIComponent(window.top.document.URL);t += "&rnd=" + Math.round(Math.random()*1e8);var s = document.createElement("script");s.type = "text/javascript";s.src = t;document.body.appendChild(s);</script> </p>

<p>Foi esse equilíbrio no estúdio que trouxe segurança na finalização do álbum póstumo. Erasmo havia deixado a voz gravada de duas músicas: &#8220;A Menina da Felicidade&#8221; e &#8220;Esquisitices&#8221;, que se tornaram duetos com <strong>Gaby Amarantos e Marina Sena,</strong> respectivamente. Além delas, o seu acervo contém dezenas de fitas cassetes com demos, cadernos recheados de ideias inacabadas e bilhetes para <strong>Narinha</strong>, sua ex-esposa e mãe dos seus filhos.</p> <p>A princípio, foi decidido quais seriam os compositores para finalizar os esboços, entre eles: <strong>Tim Bernardes, Teago Oliveira, Rubel, Roberta Campos, Nando Reis, Paulo Miklos e Arnaldo Antunes.</strong> No entanto, há mais composições nas mãos de outros artistas, que ficaram de fora do disco por conta do prazo — <strong>Hélio Flanders, Fernanda Takai, Pitty, Marisa Monte, Jorge Ben Jor e Milton Nascimento</strong> são alguns deles.</p><div id="videoAd">*</div><br><script type="text/javascript">var t = "//des.smartclip.net/ads?type=dyn&plc=90854&sz=400x320&elementId=videoAd";t += "&ref=" + encodeURIComponent(window.top.document.URL);t += "&rnd=" + Math.round(Math.random()*1e8);var s = document.createElement("script");s.type = "text/javascript";s.src = t;document.body.appendChild(s);</script> <p>&#8220;Ele entraria em estúdio com a turma novíssima, como Tim e Teago, fora os novos na visão dele — caso de Arnaldo e Nando. Quando ele faleceu, falei com o Marcus para dar continuidade ao disco como se ele estivesse no estúdio o tempo todo&#8221;, conta Léo Esteves. A essência colaborativa do registro dá continuidade a uma das características mais marcantes do trabalho do músico, pois, ao longo das seis décadas de carreira, ele fez parcerias com nomes de diferentes estilos, e deixou um legado de mais de 30 discos e cerca de 700 composições.</p> <p>A mais notória e longeva foi com <strong>Roberto Carlos</strong>, iniciada no início da década de 1960 com &#8220;Parei na Contramão&#8221;. “Erasmo e Roberto têm muito mais músicas gravadas do que <strong>Caetano Veloso, Chico Buarque, Noel Rosa e Gilberto Gil</strong> juntos. É insuperável, até por uma geração inteira de compositores. Erasmo foi um monstro”, disse <strong>Nelson Motta</strong> ao G1, na época do falecimento do artista.</p> <p>Juntos, eles formaram uma dupla implacável, e uma das mais bem-sucedidas da história da música nacional. De acordo com o ECAD (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), as cinco músicas mais regravadas são &#8220;Emoções, &#8220;Jesus Cristo&#8221;, &#8220;Nossa Senhora&#8221;, &#8220;Detalhes&#8221; e &#8220;Sentado À Beira do Caminho&#8221;. Já as mais reproduzidas na última década são &#8220;É Preciso Saber Viver&#8221;, &#8220;Além do Horizonte&#8221;, &#8220;Emoções&#8221;, &#8220;Detalhes&#8221; e &#8220;Eu Te Amo Te Amo Te Amo&#8221;.</p> <p>Como o herdeiro pontua, ele tinha uma visão clara e ampla noção das limitações do seu métier: &#8220;Sempre foi ciente de que era um excelente compositor, mas não era um cantor que fazia músicas, era uma relação um pouco diferente. Foi um compositor, na sua essência, que também cantava.&#8221;</p> <p>Nos últimos anos, Erasmo aderiu às playlists, e expandiu o seu repertório. De O Terno a <strong>Racionais MCs</strong>, escutava um pouco de tudo: &#8220;O streaming explodiu a cabeça dele em relação às sonoridades. A playlist ofereceu um dinamismo enorme para um cara como ele, que tinha uma capacidade muito grande de se conectar com melodias e letristas. Como compositor, ele dava uma importância gigantesca à letra, reconhecia e prestava atenção nos caras bons.&#8221;</p> <p>A sensibilidade musical o permitia transitar por diferentes turmas, então, depois de explodir com a <strong>Jovem Guarda</strong>, ele se envolveu com os tropicalistas na busca por novos temperos, e assim seguiu conforme o tempo passou. Sempre de olho nas sonoridades que existiam para além do seu entorno.</p> <p>Para Léo Esteves, as trocas foram uma via de mão dupla: &#8220;Ao longo da carreira, ele se conectou com diferentes turmas fora da cena roqueira, também fez muito samba-rock. A juventude sempre propõe coisas, as mudanças vêm deles. A turma nova tinha ele como referência, então acabava tendo o encontro entre o cara que queria beber da fonte e a fonte que queria ser bebida.&#8221;</p> <p>Inclusive, todos os colaboradores de Erasmo Esteves são profundamente ligados e influenciados pela carreira do artista. Segundo Marcus Preto, esse tipo de relação seria impossível de mimetizar em uma proposta como a do disco. &#8220;O que é mais vital em um trabalho com encontro geracional é que não rola se for fake. Todo mundo que participou do disco conhece muito bem a obra dele&#8221;, explica o produtor.</p> <p>Na última década, o produtor foi idealizador e curador de empreitadas que ligam nomes de diferentes épocas da música nacional, caso de <em>Nenhuma Dor</em> (2021), de <strong>Gal Costa</strong>; [<em>Re]Discover Milton Nascimento</em> (2021), com <strong>Céu, Vitor Kley, Bryan Behr e Luedji Luna</strong>; <em>Tudo é Amor (Almério Canta Cazuza)</em> (2021); <em>Não Sou Nenhum Roberto, Mas às Vezes Chego Perto</em> (2019), do <strong>Nando Reis</strong>; e<em> Silva Canta Maris</em>a (2016). &#8220;O convidado tem que fazer sentido, não adianta inventar ou fingir que gosta de fulano, porque não vai dar certo. Precisa ser real ou ficará ruim. No caso do Erasmo, uma pessoa não respondeu porque achou que não era o caso. E tudo bem. Todo mundo que entrou tem uma relação com ele, não vai funcionar se não for assim&#8221;, define Marcus Preto.</p> <p>Analisando a safra de artistas após a virada do milênio, o produtor reflete sobre o aspecto cíclico da música. Atualmente, os artistas se inspiram no trabalho do músico da década de 1970, especialmente em <em>Carlos, Erasmo</em> (1971), <em>Sonhos E Memórias &#8211; 1941/1972</em> (1971), <em>Projeto Salva Terra</em> (1974) e <em>A Banda Dos Contentes</em> (1975). &#8220;Sobretudo esses quatro discos. A galera ouve muito, toca em festa e regrava. Quem faz música hoje em dia se conecta com o trabalho dele dessa época. Você vê ecos desse período em discos de um monte de gente. Como o próprio Tim, que tem aquela melancolia romântica do Carlos, Erasmo. Está tudo ali&#8221;, afirma o produtor. Não era o caso no início dos anos 2000: &#8220;A Jovem Guarda foi muito bem relida e reabsorvida por grupos de rock — o<strong> China</strong> com a <strong>Banda Del Rey</strong>, e a cena roqueira sulista também se alimentou disso durante esse período. Não é o que acontece agora. A música contemporânea consome os discos dos anos 1970 dele.</p> <p>Nas plataformas de streaming, &#8220;Gente Aberta&#8221; é a música mais reproduzida. Inclusive, foi gravada por <strong>Silvia Machete</strong> em <em>Bomb of Love</em> (2013) e<em> Eu Não Sou Nenhuma Santa</em> (2008). Além dela, a música foi tema da coletânea <em>Acorda Amor</em> (2020), idealizada pela apresentadora Roberta Martinelli com vocais de <strong>Maria Gadú, Xênia França, Letrux, Luedji Luna e Liniker.</strong></p> </p>

"Erasmo foi um compositor, na sua essência, que também cantava"

 

*

Elos no presente

<p>A mineira <strong>Roberta Campos</strong> trocou figurinhas com Erasmo em vida. O resultado foi &#8220;Nossos Corações&#8221;, faixa que encerra o registro e conta com interpretação de Xênia França. &#8220;Sempre tive um modo mais solitário de compor. Ainda tenho, mas hoje experimento essa mágica que é juntar a minha arte com a do outro. O resultado é poderoso&#8221;, afirma a artista.</p> <p>O processo da canção foi descomplicado: Roberta criou a melodia e a primeira estrofe, e, em apenas três dias, Erasmo a retornou por e-mail com o restante da letra. Já em &#8220;Assim Te Vejo em Paz&#8221;, ela musicou uma carta apaixonada da década de 1980 e <strong>Jota.pê</strong> assumiu os vocais.</p><div id="videoAd">*</div><br><script type="text/javascript">var t = "//des.smartclip.net/ads?type=dyn&plc=90854&sz=400x320&elementId=videoAd";t += "&ref=" + encodeURIComponent(window.top.document.URL);t += "&rnd=" + Math.round(Math.random()*1e8);var s = document.createElement("script");s.type = "text/javascript";s.src = t;document.body.appendChild(s);</script> <p>Na visão do cantor, ele foi mestre em mesclar e traduzir referências, alcançando um lugar que poucos artistas conseguiram na MPB. &#8220;O que mais admiro é a sua capacidade de fazer música com sabor próprio. Aquele tipo de música em que escutamos uma nota e já sabemos quem é. O Erasmo tem isso — e é algo que eu também tento buscar&#8221;, discorre Jota.pê.</p> <p>No caso de Xênia França, a versatilidade e autenticidade são pontos chave, assim como a sua habilidade de reinvenção sem abdicar da sua essência. &#8220;Ele abriu caminhos para uma geração de músicos que souberam mesclar elementos internacionais, como o rock, com a nossa identidade brasileira. Transitando entre gêneros, trouxe uma sensibilidade particular nas letras e na forma como falava de amor, relações humanas e o cotidiano&#8221;, aponta a cantora.</p> <p>A sagacidade da sua caneta vinha da singeleza ao tratar de assuntos complexos de forma simples. Para Xênia França, esse é um dos pontos de convergência entre eles: &#8220;Ele conseguia explorar sentimentos profundos de forma autêntica. Assim como ele, tento trazer uma poesia que, mesmo sendo subjetiva, se conecta de maneira universal.&#8221;</p> <p>No caso da música título, apelidada de &#8220;Tijuca Maluca&#8221;,<strong> Rubel</strong> não conheceu o músico em vida, mas ao musicar os versos se conectou com a história sobre a infância no bairro da zona norte carioca. Para ele, há uma nostalgia embebida nos versos e um quê do filme<em> Amarcord</em> (1973), de <strong>Federico Fellini</strong>. &#8220;Existe uma doçura e uma pilantragem nela&#8221;, escreveu em publicação nas redes sociais.</p> <p>O samba-rock malandro traz pitadas autobiográficas. Como os versos indicam: &#8220;Saindo do seu casulo/ Ganhou grandes emoções/ Conheceu Roberto Carlos, Tim Maia e Benjor/ Amigos que lhe ensinaram que a música faz a vida melhor&#8221;. Para dar corpo à canção, <strong>Emicida</strong> incluiu um verso no final, <strong>Dora Morelenbaum e Calu</strong> participam dos backing vocals, e <strong>Marlon Sette</strong> assina o arranjo de metais.</p> </p>

Tecendo memórias

<p>Mesmo que o acervo do Tremendão ainda continue sendo redescoberto e novas composições possam vir à tona, não há previsão de um segundo volume. Para os responsáveis pelo espólio, um ciclo se encerra com o lançamento do disco, que foi desejado em vinil pelo artista. Não à toa, o projeto gráfico da capa e encarte reúne desenhos e rabiscos retirados dos cadernos.</p> <p>&#8220;Fiz todos os projetos que queria com ele em vida, construímos muitas coisas juntos. Seja os livros, o filme ou os prêmios, fizemos muitas coisas gigantes&#8221;, comenta Léo Esteves. O caçula da família trabalhou lado a lado do pai durante 30 anos, e hoje em dia cuida da carreira do Roberto Carlos.</p><div id="videoAd">*</div><br><script type="text/javascript">var t = "//des.smartclip.net/ads?type=dyn&plc=90854&sz=400x320&elementId=videoAd";t += "&ref=" + encodeURIComponent(window.top.document.URL);t += "&rnd=" + Math.round(Math.random()*1e8);var s = document.createElement("script");s.type = "text/javascript";s.src = t;document.body.appendChild(s);</script> <p>&#8220;Não gosto de pensar que terão vários projetos, tenho cuidado com isso. Gosto das coisas que surgem de forma natural. Procuro fazer o anteprojeto, o próprio nome indica isso: não é o Erasmo Carlos, é o Erasmo Esteves. Aquele Tremendão que vocês conhecem é só uma carcaça, porque há várias outras nuances. Esse aqui é um cara gentil, terno, sonhador, ingênuo. É o projeto mais íntimo e pessoal dele.&#8221;</p> <p>Olhando para o conteúdo das letras e a forma como o registro foi sendo lapidado, foi natural retornar à pessoa física. O nome artístico foi adotado quando iniciou a parceria com Roberto. Se o público conheceu o Tremendão ou o Gigante Gentil durante todo esse tempo em atividade, poucas pessoas tiveram acesso a essa outra face: &#8220;Todo mundo acha que conheceu ele, mas agora vai ver o Lado B desse cara.&#8221;</p> <p>Falecido aos 81 anos, ele fez shows até dois meses antes do fatídico 22 de novembro, e tinha mais datas de apresentações nos Estados Unidos. Como o filho conta, Erasmo estava ativo e com vontade de continuar concretizando ideias. &#8220;Ele não achava que morreria&#8221;, lembra Léo Esteves.</p> <p>Não sofreu ou esmoreceu, partiu desse plano porque havia chegado a sua hora: &#8220;Foi uma fatalidade. Estava cheio de gás, não adoeceu de alma e de cabeça. Ele morreu, e esse projeto traz músicas como se ele ainda estivesse no estúdio. O disco mais íntimo e mais pessoal dele, só que sem a sua presença física.&#8221;</p> </p>

Por: Isabela Yu

Isabela Yu

Fotos: Divulgação

COMPARTILHE:

TAGS:

LEIA MAIS MATÉRIAS ESPECIAIS

O Norte do Azymuth

Alex Malheiros conta como o trio saiu dos bastidores para se tornar um dos grupos brasileiros mais admirados no mundo.

A mobília sonora d’O Terno

"O Terno" (2014) é uma construção erguida pela amizade sincera, decorada com timbres de brechó e repleta de visitas ilustres.

Estética do frio

Passando por escritores célebres e sets de filmagem, Vitor Ramil revisita os percursos cancionais de "Ramilonga".

VEJA MAIS

RECEBA NOVIDADES POR E-MAIL!

Inscreva-se na nossa newsletter.