




"Modernidade, brasilidade, regionalidade, identidade, tudo isso começou a pipocar na minha volta"




"Nunca me intimidei de experimentar aos olhos do público"


ESPECIAL
A insurreição de Vitor Ramil
Ariel Fagundes
Fotos: Giovanni Ceconello
"Modernidade, brasilidade, regionalidade, identidade, tudo isso começou a pipocar na minha volta"
"Nunca me intimidei de experimentar aos olhos do público"
<div>O frio é tão invisível quanto a música… ou seja, não o é. Assim como acontece com o som, vemo-lo interferindo na realidade de dentro pra fora, seja imperando mais camadas de roupas ou estimulando paisagens que pouco se parecem com a exuberância vegetal típica do imaginário que o Brasil construiu sobre si até agora.</div> <div></div> <div>Quando morava no tórrido Rio de Janeiro, em 1987, o cantor, compositor, violonista e escritor <strong>Vitor Ramil</strong> percebeu a necessidade pessoal de refletir sobre como se parecia o frio de sua terra natal, o Rio Grande do Sul. Tomando chimarrão, vendo uma reportagem na TV sobre o Carnaval cearense fora de época, sucedida de outra a respeito das temperaturas gélidas do inverno gaúcho, ele se perguntou pela primeira vez como seria uma Estética do Frio.</div> <div></div> <div>Longe de um determinismo climático ou da pretensão de estabelecer uma teoria formal a ser aplicada, o conceito lhe veio como imagem: a das planícies do pampa, desertas, estarrecedoras em seu verde imenso. O que começou como uma provocação artística pontual, ganhou espaço em seu trabalho, tendo desdobramentos capazes de reorientar os rumos da sua carreira. O ponto-chave deste processo foi o lançamento do álbum <em>Ramilonga – A Estética do Frio</em> (1997).</div> <div></div> <div>Natural de Pelotas, no sul do estado, ele nasceu mais próximo de Montevidéu e de Buenos Aires do que de São Paulo ou do Rio. A distância aqui tem um sentido objetivo, medido em quilômetros, mas também algo sentimental. Observando a sua cartografia afetiva, compreende-se por que o espanhol sempre foi uma segunda língua, ou por que <em>viejos</em> tangos surgiram-lhe em casa, através de seu pai.</div> <div></div> <div>No entanto, o som do Sul da América do Sul é apenas mais um elemento de sua obra, e não o que a define. Metabolizando traços do rock, do jazz, da bossa nova, da MPB e da musicalidade indiana, <em>Ramilonga</em> desafia fronteiras e se projeta ao mundo, como Vitor Ramil comenta na entrevista a seguir.</div> </p>
<div><strong>Você conta que começou a compor cedo, por volta dos 12, e costuma destacar os Beatles e a música brasileira dos anos 1970 — em especial Milton, Egberto e Caetano — dentre as principais referências da sua formação. Como era a paisagem sonora da sua infância, quando você estava descobrindo o canto, o violão e a escrita? O que tocava ao seu redor? O que lhe levou a priorizar a música na sua vida dali pra frente?</strong></div> <div></div> <div>A casa da minha infância e adolescência teve música o tempo todo. Meus irmãos e irmãs cantavam e tocavam mais de um instrumento. Depois alguns começaram a compor. Meus pais também cantavam e dançavam tango na sala. Meu pai não podia cantar tangos sem chorar. A noção de que uma canção tem que ter o poder de emocionar foi ele que me transmitiu. Mas nem tudo era música. A mãe lia muita poesia para nós, quando crianças, e nos estimulava à escrita criativa. A casa era um lugar de criatividade, de encontrar alegria e prazer com o ato de criar. Além dos nomes que citaste, <strong>Chico, Elis, Gil, Noel, Piazzolla</strong> ou rock uruguaio me chegaram pelos irmãos. Do pai vieram <em>viejos</em> tangos e milongas; da mãe, clássicos da época da Rádio Nacional. Antes dos 15 anos eu já não via futuro para mim senão na música. Mas como ganhara um concurso nacional de contos pela Região Sul aos 12 anos, todos achavam que eu seria escritor. No fim, acabei sendo um pouco de cada coisa. Tornei-me aquilo era.</div> <div></div> <div><strong>Quando e como as musicalidades regionais do RS chamaram a sua atenção (seja por interesse ou repulsa)? Quando você passou a compor milongas?</strong></div> <div></div> <div>Tudo, mais uma vez, chegou pelos meus irmãos. Quando <strong>Mercedes Sosa, Atahualpa Yupanqui</strong> ou <strong>Violeta Parra</strong> começaram a aparecer mais por aqui, em plena Ditadura, direcionei meu radar para a música de fala hispânica, principalmente para o Prata. O espanhol que já era nossa segunda língua em casa. A música regional do RS, por mais que <strong>[Barbosa] Lessa</strong> e <strong>Paixão [Cortes, célebres folcloristas gaúchos]</strong> insistissem na herança luso-brasileira e açoriana, vem nitidamente da música do Prata. Compus minha primeira milonga aos 17 anos, inspirado na Mercedes. <em>Semeadura</em>. Quem diria que ela viria a gravá-la!</div> <div></div> <div><strong>Os Almôndegas, banda dos seus irmãos, desde o primeiro disco, em 1975, conectava o universo imagético rural gaúcho a signos da modernidade urbana, demarcada por uma abordagem ligada ao rock e a um certo experimentalismo instrumental, dialogando com os valores da juventude pós-1968, com um cheiro do movimento hippie ainda no ar. Naquele momento, Alceu Valença unia ao rock musicalidades do interior pernambucano; Sá, Rodrix e Guarabyra também faziam o seu “rock rural” — ou seja, propostas em direções semelhantes aconteciam de várias formas. Como o cenário tradicionalista gaúcho viu o surgimento do Almôndegas? Como a banda influenciou você em suas reflexões sobre o regionalismo, a modernidade, o sentimento de identificação cultural com o RS, etc?</strong></div> <div></div> <div>A influência dos <strong>Almôndegas</strong> sobre mim foi total. Aos 10 anos subi ao palco pela primeira vez num festival com uma espécie de proto-Almôndegas, tocando congas com os integrantes da primeira formação da banda, que ainda não tinha nome. Vivenciei eles ensaiarem, gravarem, viajarem, tocarem nos palcos e na minha casa, no meu quarto inclusive. Foram um grupo seminal da música moderna do RS. Modernidade, brasilidade, regionalidade, identidade, tudo isso começou a pipocar na minha volta porque era tema recorrente entre eles também. Atualmente, no que estou escrevendo sobre a estética do frio, falo sobre Almôndegas, <strong>Kleiton e Kledir e Bebeto Alves</strong> e em como e por que o tradicionalismo manteve distância deles. Como rescaldo das doutrinações tradicionalistas, mais de uma vez ouvi quando guri que meus irmãos tinham traído o RS ao se mudarem para o Rio de Janeiro. A mesma babaquice que fez a Elis dizer que não tinha ido para o centro do país fundar um CTG, nem cantar fantasiada de prenda.</div> <div></div> <div><strong>Você se tornou músico profissional nos anos 1980, quando o rock gaúcho crescia, por um lado, e o CTGismo se fortalecia, por outro. Como você avaliava o cenário musical do estado no início da sua carreira? Qual era o espaço de mercado que um artista tinha pra fazer algo que não fosse algo nativista ou roqueiro?</strong></div> <div></div> <div>Minha formação era aquela, <strong>Beatles</strong> (<em>Revolver</em> no topo) e MPB dos 70, com um instinto milongueiro em gestação. Para aqueles como eu, interessados tanto em <strong>Joy Division</strong> como em <strong>Edmundo Rivero,</strong> o espaço era menor. Os shows dependiam apenas de nós. Não havia um circuito para nos impulsionar. Tanto o rock como o nativismo, que eram modismos, tinham seus mercados. Acompanhei tudo, mesmo tendo ido viver no Rio em 1986. A cena no RS em contraste com o dia a dia no Rio e escapadas ao Norte e Nordeste me colocou de prontidão para desenvolver minha música e minhas ideias.</div> <div></div> <div> <div><strong>Seu primeiro disco já falava “num tempo em que o mate/ só é dado com a mão do coração”; o seu segundo disco já traz “Fragmento de Milonga” e “Milonga de Manuel Flores”. Pode-se dizer que eram ecos premonitórios de uma intenção que seria delimitada após 1987, quando você teve a epifania da concepção do que seria seu conceito de Estética do Frio?</strong></div> <div></div> <div>Sim. Quando gravei minhas primeiras milongas, tentava abrir o leque dos meus interesses. Ainda não tinha maturidade para desenvolver uma linguagem síntese e trouxe o processo para a linha de frente. O resultado podia parecer tropicalista ao ligar coisas aparentemente díspares, mas minha busca não era manter os contrastes na superfície como traço definidor, e sim partir deles para chegar a uma síntese. Demoraria, mas nunca me intimidei de experimentar aos olhos do público. Meu segundo disco, com seus erros e acertos, é o maior exemplo disso. <em>A paixão de V segundo ele próprio</em> (1984) era experimental, arriscado e devotado às questões formais. Ao mesmo tempo, nunca me deixei levar pelas facilidades de ser difícil, incompreendido ou “marginal”, coisa que ainda tinha certo charme. Os ecos premonitórios nele iam além das milongas. As músicas de segundos, as muito longas, os desafios formais, resultados como o de “Ibicuí da Armada” ou da música título, certas sonoridades, muitas coisas apontavam para a estética do frio.<em> </em></div> <div></div> <div><strong>Apesar de ser fã da MPB desde criança, você já comentou sobre, no início da carreira, sentir dificuldade em assumir o samba ou a bossa nova como linguagens suas. Em que medida o </strong><strong><em>Ramilonga</em></strong><strong> nasce como uma resposta às limitações impostas pelo tradicionalismo gaúcho, mas também desafiando os limites do que seria uma suposta noção de brasilidade?</strong></div> <div></div> <div>Antes do <em>Ramilonga</em> gravei <em>À Beça </em>(1995), um disco totalmente diferente, algo pop, que foi libertador para mim. Já foi uma reação. Sem ele, não teria existido <em>Ramilonga</em>. A partir do <em>À Beça </em>comecei a compor com muito mais desenvoltura. Quando compus “Não É Céu”, desse disco, minha primeira reação foi a de pensar que nunca iria cantá-la, afinal de contas eu era… gaúcho. O que iam falar de mim no Rio Grande? Olha que ridículo! Eu me permitia compor e cantar rock, por exemplo, mas não uma bossa estilizada como “Não É Céu”. <strong>Jorge Luis Borges</strong> precisou argumentar que os argentinos tinham direito a Shakespeare. Não tinha eu direito a <strong>Tom Jobim</strong>? Convidei o <strong>André Gomes</strong> para buscarmos uma linguagem para aquela bossa linear de apenas três acordes, longa, repetitiva, tão parecida em sua arquitetura a uma milonga. Quando o <strong>Menescal</strong> escutou me disse: essa é a música brasileira do ano 2000. Foi talvez o primeiro movimento de síntese mais consistente a que cheguei. Mercedes Sosa, que gravara minha primeira milonga, me ligou certo dia dizendo que queria cantar “Não É Céu”, minha primeira bossa, e me convidou a ir para a casa dela em Buenos Aires para fazermos a versão. Conto isso porque ela juntou as duas pontas para mim, “Não É Céu” e milongas, viu qualidade nas duas. Seu aval teve um significado imenso, tanto que sigo criando e pensando a partir dessa junção até hoje. Eu tinha direito a tudo aquilo. Exercer esse direito com <em>Ramilonga</em> e meus primeiros esboços da estética do frio tocou em algumas feridas do tradicionalismo/nativismo. Barbosa Lessa via Porto Alegre como uma “bastilha da cultura importada”, um lugar a ser dominado. De repente <em>Ramilonga</em> operou algo inédito: jovens punks e senhores e casais de cabelos brancos iam me escutar cantar milongas no Theatro São Pedro [na capital gaúcha]. Ali começou um desafio consciente aos ditames de uma tradição inventada, ao estereótipo da gauchidade, bem como o da brasilidade. No texto do encarte do <em>Ramilonga</em> há frases que remetem a isso.</div> </div> </p>
"Modernidade, brasilidade, regionalidade, identidade, tudo isso começou a pipocar na minha volta"
<div><strong>Você já comentou sobre o compromisso, inclusive ético, que sente perante a necessidade de elaborar reflexões sobre (e caminhos para) a cultura musical do RS. Havia uma intenção de adentrar a seara regional para poder trazer a ela novos valores éticos e estéticos, arejando-a de dentro pra fora? </strong></div> <div></div> <div>Nunca me ocorreu “adentrar na seara regional”, porque nunca deixei de estar lá, bem como em outros campos. Era absolutamente intuitivo, natural para mim. Quando comecei a dar vazão àquela parte do meu imaginário não olhava criticamente para o que fazia nem avançava para questões identitárias. Isso viria com o tempo. O ambiente tradicionalista era outra coisa. Nunca tive intenção de entrar lá. Que seus “soldados”, conforme dizia Barbosa Lessa, fizessem com suas convicções o que quisessem, desde que “dentro da rigorosa discriminação de seus limites necessários”, como desejou <strong>Augusto Meyer</strong> para eles em seu começo, algo que não se cumpriu graças às pretensões hegemônicas do movimento. Sou desde sempre ligado ao sul do RS, à Pelotas multicultural, ao Uruguai e à Argentina. E isso é tudo. Quanto à ética, como epígrafe de <em>A</em> <em>Estética do Frio – Conferência de Genebra</em>, escrevi: “sinto-me um pouco como aqueles para quem, na descrição de <strong>Paul Valéry</strong>, o tempo não conta; aqueles que se dedicam a uma espécie de ética da forma, que leva ao trabalho infinito”. Graças talvez a esse compromisso íntimo, de a cada trabalho avançar em minhas conquistas formais, tendo em mente a contribuição que isso possa trazer ao meu entorno, nunca perdi o entusiasmo criativo. Mas não me restrinjo à ética da forma. Com relação ao RS, sinto-me comprometido com o esforço para tirar dos nossos ombros o fardo ideológico e estético passadista que não nos deixa avançar coletivamente em nossa diversidade. O novo em estética no RS precisa passar por novas abordagens das questões identitárias. A Estética do Frio é uma insurreição identitária e estética. Para que aconteça, é preciso que o tempo não conte. Esta é uma postura ética. Gostaria que outros artistas contemporâneos se mobilizassem nesta direção, cada um a seu modo, claro. Estéticas do frio. Por outro lado, não acho que esse tipo de compromisso deva ser exigido dos artistas. É apenas <em>meu</em> jeito de funcionar, sem dissociar o que crio do lugar onde vivo, da sociedade em que estou inserido.</div> <div></div> <div><strong>Por seu conceito tão bem marcado, </strong><strong><em>Ramilonga</em></strong><strong> carrega um certo tom programático, como se fosse um manifesto — ainda que não seja exatamente isso. Dentre os “pilares” do “manifesto”, você elenca sete valores (Rigor, Profundidade, Clareza, Concisão, Pureza, Leveza, Melancolia), pinçados da sua percepção sobre a espacialidade geográfica gaúcha, e ao fazer o disco, você buscou trazer tais ideias pra produção do álbum. Como foi esse trabalho de transpor a geografia ao som?</strong></div> <div></div> <div>Assim como não acredito em determinismo do tipo “no frio se cria de um modo, no calor de outro”, não posso dizer que transpus a geografia ao som. Apenas usei-a como sugestão formal. Quando a <strong>Bjork</strong> fala que sua música é como os gêiseres da Islândia, entendemos perfeitamente, não? Comigo não é diferente. Quando me perguntei como seria uma estética do frio, depois de ver cenas de um carnaval fora de época em Fortaleza, aquela profusão de cores, expansividade e espontaneidade coletivas, aquele calor, o mar, tudo dentro de uma estética dos trópicos, voei em pensamento para o lugar de onde viera. Minha imaginação sempre foi visual. O que encontrei no fundo do meu imaginário foi uma imagem clássica do extremo sul: planícies verdes (litorâneas, mas também pampeanas, retas ou suavemente onduladas), poucos elementos sobre elas, poucas pessoas. Daquela paisagem tão emblemática para nós, mas despida da doutrinação tradicionalista, fui extraindo valores estéticos: rigor, profundidade, clareza, concisão, pureza, leveza, melancolia. A milonga logo me pareceu a expressão mais justa daquilo que eu estava vendo, rigorosa, concisa etc. Segundo <strong>Lauro Ayestarán</strong>, a milonga nasceu no ambiente urbano de Montevideo e migrou para o campo, onde encontrou seu habitat natural. É uma música negra como aquela que animava o carnaval de Fortaleza. O RS não estava tão distante assim de tudo. Nas milongas de <em>Ramilonga, </em>os valores do frio se traduziram na escolha dos instrumentos, no modo de cantar, nos arranjos, no “manifesto” do encarte ou, claro, nas composições em si.</div> <div></div> <div><strong>Gostaria que você falasse um pouco sobre a sonoridade do </strong><strong><em>Ramilonga</em></strong><strong>, que foi muito inovadora. Quais características da milonga faziam dela um tipo de música propício à ideia de uma universalização de algo regional?</strong></div> <div></div> <div>O uruguaio <strong>Alfredo Zitarrosa</strong> dizia que a milonga era o blues de Montevideo e se fundia facilmente com outros gêneros, o que é típico da musicalidade africana. Disso nasceu a melhor música popular das Américas, do rock à milonga. No contexto brasileiro, a milonga é a música mais identificada como sendo nossa, do RS, e podemos fundi-la facilmente àquilo que é mais identificado como sendo do Brasil tropical. Sua origem negra é determinante neste sentido. <strong>Jorge Drexler</strong> me comentou que todo roqueiro uruguaio toca a sua<em> milonguita</em>. Ela está sempre à mão, como quando um carioca pega uma caixinha de fósforos e sai um samba. Com a sonoridade do <em>Ramilonga</em> quis tirá-la do escaninho do folclore e abri-la para uma musicalidade sem fronteiras. Não são o harmonium, o sitar e a as tablas instrumentos perfeitos para a milonga pampeana, longa, reflexiva, mântrica? E o contrabaixo do <strong>Nico Assumpção</strong>? Jazz, blues ou rock, muito do que vem à tona em Ramilonga é música afro-americana. Acho que a pouca abertura do Brasil ao que fazemos no RS deve-se à pouca presença negra em nossa música, algo que foi interrompido na geração de <strong>Lupicínio Rodrigues</strong>, nosso compositor maior. Vamos acabar com isso.</div> <div></div> <div><strong>Como você chegou à obra de João da Cunha Vargas e o que o levou a trazê-lo para o álbum?</strong></div> <div></div> <div>Conheci o poema “Gaudério” quando lancei <em>A paixão de V segundo ele próprio</em>, através do declamador <strong>Sebastião Fonseca de Oliveira</strong>. Musiquei-o cantando à capela. Muito tempo depois ganhei um xerox do único livro do<strong> João da Cunha Vargas</strong>, <em>Deixando o pago </em>(1981), de meu amigo Guto Silveira, e, de outro amigo, <strong>Fausto Domingues</strong>, um raro exemplar do livro original. Aí musiquei todos os poemas. As canções que compus com João Vargas se tornaram centrais no <em>Ramilonga</em> e, depois, no <em>délibáb </em>(2010), no qual reuni seus versos aos de Jorge Luis Borges.</div> <div></div> <div><strong>Como foi a recepção de Ramilonga na época do lançamento? Tanto do seu público prévio quanto da cena tradicionalista ou da imprensa gaúcha.</strong></div> <div></div> <div>A imprensa recebeu bem. No público gaúcho em geral, causou alguma estranheza de início, mas logo gerou muita excitação. Entre os nativistas/tradicionalistas, a recepção oscilou entre admiração e rechaço. Com o tempo, quase todo mundo passou a gostar dele. Muitos artistas se dizem hoje influenciados pelo álbum.</div> <div></div> <div><strong>Na minha visão, o Ramilonga redefiniu a imagem que você projeta e a percepção do público sobre você — me corrija se estiver errado, mas me parece que, antes dele, você não era visto como esse cancionista tão ligado ao violão ou à milonga. Como você avalia a importância do disco na sua carreira e na sua imagem?</strong></div> <div></div> <div>Tens razão. O <em>Ramilonga</em> foi uma tábula rasa na minha carreira. A partir dele comecei a pensar, cantar, tocar e mesmo a compor como faço ainda hoje. O violão se tornou tão central no meu trabalho que mudou inclusive minha forma de compor e gravar. Comecei a usar violões de cordas de aço. Minha formação é de violão clássico. Trouxe-a para um instrumento em geral tocado com palheta ou dedilhado sem unhas. No <em>Ramilonga</em>, para chegar ao som que eu queria, dobrei o violão com um de nylon. Hoje dobro com dois violões de aço, um de sonoridade mais média e outro mais aberto em agudos e graves. <em>Ramilonga</em> é meu disco mais referido. Ele se ajustou bem à minha imagem de artista de <em>perfil bajo</em>, que mora longe, meio isolado, que faz as coisas a seu modo e é ligado ao sul e à poesia. É tudo verdade.</div> <div></div> </p>
"Nunca me intimidei de experimentar aos olhos do público"
<div><strong>Ramilonga ganhou o Prêmio Açorianos na categoria de MPB/Samba, o que pode soar curioso, mas talvez classificá-lo de “MPB” seja um sinal de que o álbum foi compreendido, não? Samba, não é; mas MPB, é uma descrição ironicamente adequada, não? Como você se sentiu com a rotulação, ainda mais vinda de uma premiação oficial da Prefeitura de Porto Alegre?</strong></div> <div></div> <div>Não sou facilmente rotulável. Gostei muito, assim como gostei de ter recebido o prêmio de Melhor Cantor de Música Regional por <em>délibáb</em> no Prêmio da Música Brasileira. Se fosse o contrário, ia gostar também.</div> <div></div> <div><strong>De que modo você busca contribuir para que sejam revistos os estereótipos ao redor do RS e da música feita no estado?</strong></div> <div></div> <div>Pensando, escrevendo, compondo e cantando.</div> <div></div> <div><strong>Hoje, após elaborar essa reflexão por décadas, o que você entende que é a “brasilidade”? O que nos une e nos define enquanto brasileiros, do Oiapoque ao Chuí?</strong></div> <div></div> <div>A brasilidade sempre foi identificada como aquela do Brasil tropical e litorâneo. Agora todos estão olhando para a Amazônia, o Cerrado ou o bioma Pampa, e conhecendo mais a sociedade brasileira desses lugares. Isso vai terminar por influir na forma como nos reconhecemos. No RS, urge nos enxergarmos sem as lentes do tradicionalismo e da ideologia que lhe dá sustentação. Propor o frio como um novo referencial é uma provocação minha nesse sentido. Que venham outras provocações! Mudar de ponto de vista instaura a leveza, disse Ítalo Calvino. Precisamos fazer essa lição de casa antes de pensar sobre o que nos define a todos como brasileiros.</div> </p>
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