ESPECIAL

“Maria Rita” por Maria Rita

"Música é necessidade"


Por: Ariel Fagundes

Ariel Fagundes

Fotos: Marcos Hermes

<p><b>Olhando pra trás, como você lembra hoje daquela fase de preparo e lançamento do seu primeiro disco? </b></p> <p><span style="font-weight: 400;">Olhando pra trás, hoje eu percebo que vejo o processo todo da mesma maneira que via antes: com ânsia de fazer, de colocar pra fora, com o mesmo foco. Porém, com uma diferença fundamental: naquela época, eu não entendia o que estava acontecendo NO ENTORNO, ou o que PODERIA acontecer. Eu sabia que alguma coisa ia acontecer, mas não tinha noção dos tamanhos todos: do sucesso, do reconhecimento, do incômodo, da atenção negativa, das fofocas absurdas… [risos].  </span></p><div id="videoAd">*</div><br><script type="text/javascript">var t = "//des.smartclip.net/ads?type=dyn&plc=90854&sz=400x320&elementId=videoAd";t += "&ref=" + encodeURIComponent(window.top.document.URL);t += "&rnd=" + Math.round(Math.random()*1e8);var s = document.createElement("script");s.type = "text/javascript";s.src = t;document.body.appendChild(s);</script> <p><span style="font-weight: 400;">Na questão do foco, naquela época, ainda em estúdio, gravando com o <strong>Tom Capone</strong>, eu já entrava em embates, muito preocupada com uma possível percepção de arrogância por parte do público e da crítica. É como eu sempre digo: das coisas todas que chegaram a sair, poucos têm a noção do quanto deixou de sair, de quantos “não” eu dei. Um exemplo: o número de impressões do CD. Saímos com 100 mil unidades, e eu quase morri do coração, sem exagero algum, quando a gravadora me passou essa estimativa. Na minha cabeça, deveríamos sair com 10 mil, no máximo 30 mil… Acabou que até a estimativa da Warner foi aquém: essas 100 mil unidades voaram das prateleiras em uma semana. </span></p> <p><span style="font-weight: 400;">Nesse aspecto, não foi uma gravação tranquila, não. Sempre uma questão diferente pra resolver. Lembro de chorar frustrada com o Tom Capone e a companheira dele, a <strong>Tan Scofield</strong>, numa noite… Eu dizia que só queria gravar meu disco em paz… Entre gravação e mixagem e masterização e lançamento, foram quatro, cinco meses. Percebe o caos? [Risos]</span></p> <p><span style="font-weight: 400;">No aspecto criativo, de certa forma, o processo de gravação foi artesanal. Tudo ao vivo, quase nenhuma influência eletrônica, pouquíssimas edições na pós. E isso estava em sintonia com o que eu vinha fazendo. Além disso, foi o processo mais intenso que já experienciei, justamente por causa do Tom Capone, da capacidade dele de traduzir minhas ideias, da generosidade dele de entender que, se eu não sou 100% participativa no processo, corre o risco de eu “apagar”, perder o ânimo. Peguemos como exemplo “Dos Gardenias”. Foi a última que eu pedi pra estar no repertório… Por ser em espanhol…  Ele comprou a briga, e ficou do jeito que ficou. </span></p> <p><span style="font-weight: 400;">Ou seja: ele pegou o repertório que eu já tinha, do show que eu apresentava, confiou na minha visão, no meu entendimento da cantora que eu era, e melhorou tudo. Ele brigou por mim, enquanto artista, de uma maneira que eu nunca mais vi. E eu me mudei pro Rio de Janeiro pra essa gravação, né? Saía do estúdio, ia pro hotel, dormia, acordava, respirava só aquilo. Com unhas, dentes, amor e foco. Nunca mais tive a mesma oportunidade. De fato, um projeto único. </span></p> <p><span style="font-weight: 400;">Por todos esses motivos, afirmo com tranquilidade: nada do que rolou com o “Maria Rita” jamais vai rolar de novo. Nada. Esse disco virou minha vida do avesso, mas me deu a linha reta pra viver, que eu aprecio. Enquanto respondo essas mensagens, estou ouvindo ele no fundo. Não tem nada, nada que eu ouça e pense: “Ops, aí não, hein…”. São mais de 20 anos, óbvio que eu mudei. Óbvio que, se eu pegasse esse repertório hoje, eu cantaria diferente. Não tem como dissociar a minha experiência de vida da minha interpretação — por isso que sou intérprete. Mas ouvindo e olhando pra esse disco, para esse período, a essa distância de mais de 20 anos, talvez eu esteja começando a entender o porquê dele ter causado tanto alvoroço no mercado, no público.  </span></p> </p>

"Música é necessidade"

<p><b><em>Maria Rita</em> foi o trabalho com o qual você se apresentou ao grande público. Como foi o desafio de definir um repertório e uma sonoridade pro disco que pudessem realmente representar você?</b></p> <p><span style="font-weight: 400;">De novo, eu volto ao Tom Capone… Porque o repertório, eu já tinha. Pelo menos 50, 60% do disco já veio pronto. Ele entendeu o que eu estava querendo apresentar: a voz — e, portanto, a intérprete — como fio condutor de diversas possibilidades sonoras e de diversos gêneros musicais desse Brasilzão — sem negar a influência fortíssima que o jazz (<strong>Ella Fitzgerald, Nat “King” Cole</strong>) e a MPB (<strong>Milton Nascimento</strong>, minha mãe — ela, indiretamente) tinham, e tem, em mim.  </span></p><div id="videoAd">*</div><br><script type="text/javascript">var t = "//des.smartclip.net/ads?type=dyn&plc=90854&sz=400x320&elementId=videoAd";t += "&ref=" + encodeURIComponent(window.top.document.URL);t += "&rnd=" + Math.round(Math.random()*1e8);var s = document.createElement("script");s.type = "text/javascript";s.src = t;document.body.appendChild(s);</script> <p><span style="font-weight: 400;">Aquele repertório, eu montei prum show que batizei de “Jeans e Camiseta”, e vinha apresentando por São Paulo, Rio de Janeiro e algumas poucas cidades no eixo… Antes mesmo do assédio das gravadoras. Tom foi ao show por conta própria, e já começou a “criar em cima da criação” ali mesmo… É bonito demais lembrar disso tudo. </span></p> <p><span style="font-weight: 400;">A gente tinha também um desafio maravilhoso: o Milton “encomendou” três músicas dele pro meu disco. Foram momentos engraçadíssimos, entre mim e Tom Capone, ouvindo a discografia do Bituca. Tom me mostrava alguma canção incrível, todo animado, agarrado num brownie que a Tan (companheira dele) fazia pra gente: “Essa você tem que gravar”. E eu respondia: “Minha mãe já gravou”. Numa certa altura, ele solta: “Mas ela gravou TUDO????”. E eu, às gargalhadas: “SIM!!!”. Ele largava alguns palavrões, e lá seguíamos… O Tom era do rock, né… Conhecia pouco ou quase nada do repertório de minha mãe [risos]… </span></p> <p><span style="font-weight: 400;">Enfim… A sonoridade veio de mim, desse show. Piano, baixo, bateria. O básico do básico para que a voz tivesse o espaço pra se mostrar, soberana, o instrumento que prevaleceria ali. E daí, quando eu ia embora do estúdio, o Tom inventava umas loucurinhas, me mostrava no dia seguinte, e eu babava… E ainda tinha o <strong>Álvaro Alencar</strong>, engenheiro oficial do estúdio, parceiríssimo do Tom, que viabilizava tecnicamente todas as nossas maluquices.</span></p> <p><b>Como foi pra você a experiência de mergulhar no estúdio pra fazer o disco? Qual foi a importância do Tom Capone na sua vida?</b></p> <p><span style="font-weight: 400;">Vocês vão ver o Tom Capone em todas as minhas respostas… O <em>Maria Rita</em> é 50% eu e 50% o Tom. E não há como disputar essa realidade. Ninguém nunca mais me ouviu como ele, ninguém nunca mais me percebeu como ele, ninguém nunca mais brigou por mim como ele. Eu levo muita gratidão no peito. Pela escolha dele, que poderia ter sido arriscada e muito desastrosa pra carreira dele. </span></p> <p><span style="font-weight: 400;">A gente se respeitava, embora fôssemos muito jovens ainda… Existia uma sintonia e uma amizade únicas. Pra você ter uma ideia, nossos filhos nasceram no mesmo dia, com horas de diferença. Ele disponibilizou o estúdio dele, me abriu a casa dele, me emprestou a família dele, me ensinou muito, apostou alto em mim, na minha ideia de arte e artista. Sem contar que ele me apresentou ao <strong>Marcelo Camelo e ao Rodrigo Maranhão</strong> (que eu vim a gravar só no <em>Segundo</em> (2005), dois anos depois, mas foi o Tom quem me apresentou, durante a pré-produção do “Maria Rita”). Esses dois são, pra mim, dos melhores compositores da minha geração. </span></p> <p><span style="font-weight: 400;">Ele me segurava nas pirações, e eu cutucava ele. Mas quando chegava a hora de cantar, ele só sentava e olhava e esperava eu dizer se estava bom ou não. Coloquei oito vozes numa única noite, graças a ele… Eu estava meio amuada no dia, não queria trabalhar, só queria jogar conversa fora… Ele pediu um yakisoba no jantar, pegou um vinho, e ficamos só conversando mesmo — eu, ele, e o Álvaro Alencar. Dali um tanto, eles perguntaram se eu não queria só passar o som do microfone… (maior caô, o mic estava lá montado há dias…). Eu fui. E só saí às 5 da manhã. Foram, como eu falei, oito vozes de uma vez só, sem edição. Lembro dele em pé na técnica, me dizendo que estava cedo, pra eu não me preocupar com o horário… [risos] Isso tudo foi registrado pelo Bernardo Palmeiro, videomaker e produtor audiovisual que a Warner trouxe pro projeto. E o Tom ficava me pedindo pra eu contar essa história nas entrevistas, mas eu respondia que seria muito mané da minha parte. Hoje, 20 anos depois, eu posso contar de boas, reverenciando a vontade do meu amigo [risos]…</span></p> <p><span style="font-weight: 400;">Você me pergunta qual a importância dele: ele foi fundamental.  Não teríamos o “Maria Rita” se não fosse por ele. Simples assim. </span></p> <p><b>Pela proximidade que eles tinham, a presença de Milton no disco faz um diálogo muito bonito com a memória de Elis. Como Milton entrou na sua vida e qual foi o papel que ele teve naquele momento?</b></p> <p><span style="font-weight: 400;">Falar de Milton na minha vida… Preciso de um livro. Daqueles de 300 páginas… Eu herdei um amor por ele desde sempre… Amor e amizade intrauterinos. Seguramente. Milton sempre me impactou pela sua lealdade e fidelidade para com minha mãe e a amizade que eles dividiram. Acho que eu aprendi sobre ser leal e fiel com Milton. E foi com esse sentimento que eu entreguei pra ele, via uma amiga em comum que tínhamos na época, um CD de um experimento que fiz em estúdio, alguns muitos anos antes disso tudo… Mostrei pra ele e pra mais ninguém. Eu sabia que ele guardaria no coração, que não me julgaria, que não exploraria, que não distribuiria, que não mostraria por aí, já que esse era o meu desejo…</span></p> <p><span style="font-weight: 400;">Não sei ao certo se foi por causa dessas gravações que ele me convidou pra cantar no disco “Pietá” — o que acontece é que, dali, tudo começou a se desenrolar de uma maneira muito rápida, e com a benção dele. Não sei explicar o porquê, mas eu precisava daquela benção. Pro show do “Pietá”, ele me deu “Encontros e Despedidas” pra cantar (além das outras duas canções que gravei). E então, veio a “encomenda” de três músicas dele no “Maria Rita”, que eu não atendi, como todos podem atestar (as duas que entraram: “Encontros e Despedidas” e “A Festa”). Ele ganhou prêmio comigo, e eu fiquei devendo essa terceira música no disco e ele nunca nem me cobrou [Risos]… </span></p> <p><span style="font-weight: 400;">Outra coisa: eu entendi que música pode ser e é manifesto e resistência ouvindo Milton. Ainda menina, eu tinha uns 10, 11 anos. O disco era “Miltons”. Muito, muito antes de eu conseguir ouvir minha mãe, que eu quase nunca ouço por mexer demais comigo…</span></p> <p><span style="font-weight: 400;">Então, você tem razão quando diz que a presença dele estabelece esse diálogo com minha mãe. Não foi de forma consciente. Mas era inevitável, porque ele sempre foi inevitável na minha vida. Uma herança real. E uma benção fundamental. </span></p> <p><b>Quais são os sentimentos que você tem hoje, mais de 20 anos após o lançamento, ao reouvir o disco?  </b></p> <p><span style="font-weight: 400;">Eu não costumo ouvir meus discos, sou muito crítica do meu trabalho e prefiro sempre mantê-los na distância a ficar me massacrando [Risos]… </span></p> <p><span style="font-weight: 400;">Porémmmmmmm, embora eu não costume me ouvir, claro que fui revisitar o disco por conta dos 20 anos dele, por conta desse projeto com vocês, por conta de um possível show de 20 anos pra um festival, há uns dois anos. Enfim. </span></p> <p><span style="font-weight: 400;">Mano. O disco é bom demais. Na boa. É. Bom. De. Mais. Parabéns a todos os envolvidos [Risos].</span></p> </p>

"Falar de Milton na minha vida… Preciso de um livro. Eu herdei um amor por ele desde sempre"

<p><b>O que é a música para você?</b></p> <p><span style="font-weight: 400;">Música é necessidade. </span><span style="font-weight: 400;">Eu me entendi cantora a partir do momento em que percebi que, se eu não cantasse, eu seria uma pessoa amarga e triste. E quando eu entendi isso, tracei uma linha reta e só fui. Não me interessava a fama, me interessava a arte, para sobreviver — e não estou falando de pagar conta, apenas. Entenda: ser cantora nunca foi um sonho meu. Claro que eu cantava segurando a escova de cabelo na frente do espelho, mas daí a dizer que eu tinha um sonho, o de ser cantora, eu estaria mentindo. Chegar nesse lugar, de entender a loucura muito próxima se eu não cantasse, foi um caminho solitário e sombrio. E cada vez que eu chegava mais perto da arte, dentro de mim, mais confusa eu ficava. Porque eu não tinha o sonho, não tinha a romantização da profissão. Até porque eu fui criada pelo meu pai, que sempre, sempre, sempre dizia: música é entretenimento e diversão para os outros; pra gente, música é o pão na mesa. Então, eu desenvolvi um respeito muito grande pela música, a ponto de distinguir a diversão do ganha-pão. E eu levo esse respeito pra cima do palco e pra dentro do estúdio. Doa a quem doer. </span></p><div id="videoAd">*</div><br><script type="text/javascript">var t = "//des.smartclip.net/ads?type=dyn&plc=90854&sz=400x320&elementId=videoAd";t += "&ref=" + encodeURIComponent(window.top.document.URL);t += "&rnd=" + Math.round(Math.random()*1e8);var s = document.createElement("script");s.type = "text/javascript";s.src = t;document.body.appendChild(s);</script> <p><span style="font-weight: 400;">E a música é muito maior do que eu. Eu honro o papel de ser um canal entre as pessoas e suas experiências e sentimentos, e vida vivida e a viver, e honro ser a voz a quem os compositores confiam suas criações, e honro o legado que herdei e o que vou deixar.</span></p> <p><span style="font-weight: 400;">Hoje, eu digo que a música me mata e me salva um pouco a cada dia. Me mata por causa dessa necessidade. Pensar em não conseguir dar conta (dadas as diversas e rápidas mudanças na indústria), me mata. Sentir a minha bateria recarregando em cima de um palco, saber que minha voz leva cura pra milhares de pessoas, me salva. Minha meta, atualmente, é encontrar um equilíbrio na dedicação, pra que a música só me salve, como um dia me salvou.</span></p> <p>&nbsp;</p> </p>

Por: Ariel Fagundes

Ariel Fagundes

Fotos: Marcos Hermes

COMPARTILHE:

TAGS:

LEIA MAIS MATÉRIAS ESPECIAIS

O Norte do Azymuth

Alex Malheiros conta como o trio saiu dos bastidores para se tornar um dos grupos brasileiros mais admirados no mundo.

A mobília sonora d’O Terno

"O Terno" (2014) é uma construção erguida pela amizade sincera, decorada com timbres de brechó e repleta de visitas ilustres.

Erasmo Esteves

O Lado B de Erasmo Carlos entra em cena no disco que expõe uma faceta pouco conhecida pelo público.

Estética do frio

Passando por escritores célebres e sets de filmagem, Vitor Ramil revisita os percursos cancionais de "Ramilonga".

VEJA MAIS

RECEBA NOVIDADES POR E-MAIL!

Inscreva-se na nossa newsletter.